Voltam a assolar a Europa os demónios do nacionalismo, que instigaram as principais ditaduras, as carnificinas das duas guerras mundiais e as grandes deportações do século XX. Pareciam condenados a um gradual desaparecimento com a política de colaboração entre os Estados que no território europeu foi gradualmente construída a partir dos meados dos anos cinquenta, mas começaram há algum tempo a sair do estado de hibernação em que se haviam mantido nos anos da Guerra Fria e passeiam-se de novo pela realidade.
Primeiro surgiram, logo após 1989, nos territórios saídos das experiências frustrantes do «socialismo real». Depois emergiram mais a ocidente, alimentando-se da crise económica, do desemprego, do afluxo de imigrantes e refugiados, e depois do terrorismo. Sempre em associação com a expansão de um padrão peculiar de populismo. De facto, a mitificação do ideal de «povo», identificado no caso com o destino histórico da «nação», sempre foi o ovo da serpente do nacionalismo e da direita mais extrema. Aí estão eles, pois, com os seus programas agressivos e o seu cortejo de ameaças e de apelos à exclusão de quem se encontre do lado que consideram errado, o que ainda há uma vintena de anos se supunha já só uma memória. Servem-se da «raça», da cor da pele, da origem, da língua, da religião, como rígida linha de fronteira.
De acordo com as notícias, o Movimento do Renascimento Eslovaco é o primeiro com representação parlamentar a assumir um vínculo direto, sem qualquer máscara, ao fascismo e ao nazismo. Mas numa coisa ele não se distingue dos outros partidos e movimentos de extrema-direita: odeia a União Europeia e trabalha para o seu fim. Os nacionalismos europeus – em França, na Hungria, na Holanda, por toda a parte, e mesmo quando ainda se mascaram de democráticos – concebem a data na qual ele eventualmente ocorra como o seu Dia D. Uma etapa crucial para a afirmação da sua perspetiva hostil e discriminatória por todo o continente. Seria o momento da sua némesis, a vingança pela qual anseiam desde que a Europa democrática se ergueu sobre das cinzas da guerra e da tirania.
Esta situação é particularmente agravada no contexto da reemergência de uma divisão bipolar do mundo, com Donald Trump e Vladimir Putin a retomarem as políticas de grande potência que durante longas décadas caraterizaram as escolhas de Washington e de Moscovo. Em boa medida, elas são provocadas e permitidas pela inépcia da larga maioria dos atuais dirigentes europeus, pobres agentes de políticas dúbias, na sua maioria mais preocupados com a salvaguarda dos interesses particulares, em especial os associados às movimentações da alta finança, que com as necessidades e o futuro das populações crescentemente multiétnicas que governam.
É no confronto com esta situação que parte da esquerda política labora num poderoso equívoco. Contra a vontade dos eleitores, sucessivamente declarada em votações e sondagens, propõe-se fragmentar a Europa quando ela mais precisa de afirmação e de uma estratégia comum para rever o estado de fragilidade e de inadequação aos interesses da maioria dos que a habitam. Em Portugal, essa é, há muitos anos, a posição do PCP, com o seu peculiar nacionalismo, projetando o futuro do país como uma espécie de Cuba do hemisfério norte, apoiada numa política autárcica. Aparentemente, e ao contrário do que assumia ainda há bem pouco anos, essa parece também ser agora, ainda que expressa de diferente forma, a escolha do Bloco de Esquerda. Com a desvantagem de, ao contrário do PCP, que preconiza o seu próprio modelo, não apresentar uma alternativa que não seja a «saída do euro» e um soberanismo isolacionista, assente no poder do protesto, que pressiona, mas não decide.
A Europa precisa de um safanão, sem dúvida, e há todo um longo caminho a percorrer para a libertar da súcia de burocratas e oportunistas, para a reerguer como espaço e casa comum da democracia, bem-estar, desenvolvimento e inclusão. Parece em marcha, aliás, uma recomposição das forças que gradualmente o poderão protagonizar. Mas este caminho não integra a proposta, sem alternativa, de um gesto de hara-kiri que entregue o continente aos lobos que o acossam. Fazendo um favor à extrema-direita nacionalista, friamente apostada em dividir para estender as suas barreiras de arame farpado.