Sempre que as praxes académicas são noticiadas e debatidas, são-no pelas piores razões. Mas nunca como agora se tomaram tão visíveis, devido às repercussões públicas dos trágicos acontecimentos da praia do Meco. Muito tem sido dito e escrito a propósito do tema, pelo que me vou cingir a aspetos menos abordados, subinhando cinco ideias falsas projetadas principalmente pelos que defendem a sua manutenção, ainda que regulada.
A primeira ideia falsa define as praxes como herança e expressão de uma tradição. Eric Hobsbawm mostrou como a "invenção da tradição" é uma experiência que integra mais inovação que conservação. Nesta direção, elas são periodicamente alteradas, subvertendo os seus próprios códigos. Veja-se, em Coimbra, a forma como foram recentemente criadas "tradições" inexistentes: trupes diurnas, punições "debaixo de telha", a inclusão como território de tais da Rua Larga até do interior de algumas faculdades, a extensão das praxes a praticamente todo o ano letivo e a inovação da "noite dos horários", ou, pasme-se, de um Halloween coimbrão.
A segunda ideia falsa tem sido construída em redor do mito de uma simpatia popular a respeito das atuais praxes. Quem ouve a generalidade das populações que moram nas cidades com uma universidade, ou, mais ainda, que habitam a proximidade dos seus "campi", sabe como tais práticas são, sobretudo nos últimos anos, particularmente mal recebidas. Dada a ampliação das práticas vexatórias e o alargamento incontrolado dos períodos e dos espaços da praxe, atualmente até professores universitários ou ex-alunos que no passado foram seus adeptos têm repudiado essas manifestações.
A terceira é a ideia de uma aceitação entusiástica por parte dos "calores". É verdade que ela até ocorrerá entre boa parte deles, mas é muito difícil falar de uma adesão livre quando esses alunos são colocados perante um cenário de inevitabilidade. Sabem que se tentarem resistir serão ostracizados, "desintegrados", quando não coagidos psicologicamente ou mesmo fisicamente. Ou, pior, tudo aceitam na expetativa de no ano seguinte serem eles a coagir. Existe pois "unanimidade", bem como uma rejeição da liberdade de divergir, que são impostas pelo medo e pela coação.
A quarta ideia falsa assenta no suposto prestígio que estas práticas conferem aos cursos e às escolas nas quais têm lugar. Uma das modalidades recorrentes consiste em proclamar que um dado curso é "melhor" que outro. Ao mesmo tempo, porém, os mesmos alunos que o fazem abandonam frequência das aulas e os lugares de estudo e de sociabilidade inter-cursos, para se dedicarem, quase a tempo inteiro, a mostrar essa suposta «superioridade», mais próxima de uma gabarolice socialmente desconsiderada que do natural orgulho de quem faz um trabalho bem feito e prestigiado.
Mas a ideia falsa mais pesada, a quinta, construída em redor das razões que leva um grande número de alunos a aceitar tais práticas. O argumento da «integração» ou da «preparação para a vida» é invocada da pior forma: ele impõe o triunfo da hierarquia e do conformismo sobre o espírito Coimbrão e o direito à diferença, sublinhando uma aceitação cega da autoridade e bloqueando reconhecimento da liberdade, fundamental num ambiente universitário, de cada um escolher o que quer ou não fazer, pensar, parecer ou dizer. Esse padrão de bloquei sempre conteve a lógica mais profunda totalitarismo.
Mesmo sem proibir as praxes, é pois possível formalmente as suas práticas mais degradantes, cujas dinâmicas começam no simples vexame e depois escala em violência. Até em Coimbra considerada «exemplar», como lugar de uma praxe menos rígida, tal tem acontecido nos últimos tempos. O Estado, as universidades, as associações de estudantes, os partidos políticos e as suas organizações de juventude, até famílias, podem aqui ter um papel pedagógico e regulamentador. Competirá depois aos próprios estudantes perceberem que existem atividades bem mais emocionantes, arejadas, solidárias e libertadoras.