De um jovem blogger que escreveu “esperemos que a intervenção externa, numa ou noutra forma, seja para durar, que não termine sem a profunda democratização do regime por que esperamos e da qual começávamos a desesperar” não se esperava outra coisa que não fosse ser “mais troikano que os troikanos”. Este diagnóstico da imprensa grega sobre a performance do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus – que, como outros tantos no seu Governo, nunca deixou de ser sobretudo jovem blogger – numa recente mesa redonda em Atenas sobre governança económica e crise europeia foi apenas a confirmação do único traço curricular que verdadeiramente o fez ser Secretário de Estado deste Governo.
Deixemos pois o pitoresco do personagem e vamos ao que verdadeiramente interessa. A razão do espanto dos jornais gregos foi o perentório repúdio do governante português por qualquer alinhamento entre os países do sul da Europa. O Governo comporta-se como aqueles fura-greves que se juntam ao patrão para o incentivar a ser impiedoso para com os grevistas, na esperança de que o patrão os premeie pela sua tão corajosa lealdade. Obedecer sempre a quem manda e da forma mais ostensiva possível e distanciarmo-nos sempre e da forma mais ostensiva possível dos que assim não agem – essa é a cultura política de fundo do Governo.
Ela é parte central do problema atual do país e da Europa. É verdade que, como disse o Papa, esta economia mata. Mas o alinhamento obediente das vítimas com os donos da economia que mata acrescenta-lhe mortandade. A estratégia de demarcação face aos demais países com dramáticas crises de dívida e a aposta na segmentação desse universo enfraquece a posição do país, não a fortalece. Do que Portugal precisa é de uma frente consistente e sólida que dê força negocial aos países sufocados pela dívida no enfrentamento que inevitavelmente vão ter que ter, mais cedo ou mais tarde, com os seus credores. Essa é a partilha de soberania prioritária no tempo que estamos a viver. Essa seria a prioridade de ação do Ministro dos Negócios Estrangeiros de um governo patriótico.
Em nome da urgência de resgatarmos a dignidade das nossas vidas, este é o tempo de desobedecer a uma Europa que usa a dívida para afundar os países e não quer ajudar os países a livrar-se da dívida, uma Europa que não nos serve para nada senão para nos afligir. É uma desobediência em nome do direito a termos um presente digno e um futuro para o qual valha a pena trabalhar. Essa desobediência começa cá dentro, tomando posições corajosas contra quem chega ao aeroporto para nos avaliar e avisa que no fim haverá salários mais baixos, reformas mais miseráveis e leis laborais ainda mais esvaziadas de protecção dos trabalhadores. E, para que essa desobediência nos dê força e tenha resultados no reganhar da nossa autonomia, é imperativo que ela anime um grande movimento à escala europeia, a começar pelos países do Sul da Europa, sob pena de o gigantesco descontentamento popular com este pesadelo europeu vir a ser capitalizado pelo nacionalismo da extrema-direita.
Desobedecer organizada e solidariamente à Europa em nome da qual se multiplicam os desempregados, em nome da qual se perpetua a precariedade, em nome da qual se atiram os nosso filhos para a emigração, em nome da qual perdemos direitos em série e não ganhamos nenhum, é uma prova de inteligência. E é a única resposta séria ao pitoresco Secretário de Estado de um governo que é, ele todo, mais troikano que os troikanos.