A irracionalidade irrompeu brutal nas nossas vidas, no nosso quotidiano, e banalizou-se. No século passado, no rescaldo dos genocídios e das crueldades reveladas após a segunda guerra mundial, Hannah Arendt refletiu sobre o modo como o mal também irrompeu nas vidas de milhões de pessoas, ao ponto de conviverem normalmente com as mais cruéis atrocidades. Banalizou-se o mal.
Há um país que nos habituámos a considerar como o mais poderoso do mundo, um país cuja influência política e, sobretudo, cultural era também tida como a mais poderosa. Eis senão quando, pouco a pouco, o comportamento irracional do líder desse país tomou conta do nosso quotidiano, primeiro entranhou-se e depois banalizou-se. É penoso observar o apego dos comentadores políticos, a tentar desesperadamente encontrar um motivo para esta ou aquela frase, para esta ou aquela decisão política, tentando identificar nas entrelinhas um sentido, um fundo remoto de racionalidade. Desistam por favor, a bem da nossa e da vossa saúde mental. Nada há de racional no seu comportamento mitómano, nada há que faça sentido. A não ser que leiam as raras e incisivas entrevistas de Steve Bannon a esse propósito, aí sim, pode ser que tenham sorte e descubram as razões mais profundas, as razões que se ocultam na sombra. E não são boas, nem para nós, nem para os próprios norte-americanos.
Há quatro meses atrás, decorria ainda a campanha eleitoral entre Trump e Harris e o líder parlamentar do partido que governava em Portugal afirmou publicamente que, se fosse norte-americano, estaria dividido entre votar num ou na outra. Pode parecer ridículo, mas as notícias revelaram-no na altura. Hoje, talvez já ninguém se lembre, por isso é bom recordá-lo aqui, a poucas semanas da campanha eleitoral mais indesejada de todas.
Sim, a irracionalidade banalizou-se ao extremo, mas as cidades, com a sua organização, os seus sistemas funcionais e a sua capacidade de integração social, ainda constituem pequenos oásis de racionalidade no meio do nonsense que passou a dominar o mundo. Quando tudo parece ruir na superestrutura, são elas que nos deixam um rasto de esperança, um pressuposto político simples, mas arreigado, que é o que apela ao respeito mútuo e protocolado entre os diversos concidadãos.
Por isso, temos de continuar a defender a manutenção da urbanidade das ruas, das praças, dos parques. Essa urbanidade não é uma condição meramente social, tem muito a ver com a conformação física dos espaços urbanos, tem a ver com a cidade, com a arquitetura, portanto.
A esse propósito, e na senda das minhas preocupações ao longo dos últimos meses, devo dizer que o senhor Ministro das Infraestruturas e da Habitação já autorizou a Infraestruturas de Portugal a preparar o novo concurso para o lanço de alta velocidade entre Oiã e Soure. Só não esclareceu se vai aumentar o preço base da concessão. O que é muito mau sinal, penso que, se aumentasse, se apressaria logo a anunciá-lo. Estamos todos em suspense.
E, uma vez que falamos de racionalidade, será também justo recordar aqui que o Volt, como partido ecologista que se afirma, em carta enviada ao Diretor deste mesmo jornal e num texto que denota cabal compreensão do papel das cidades no combate à crise climática, defendeu inequivocamente as soluções propostas pelo Plano de Pormenor da Estação Intermodal de Coimbra.
Haja alguma racionalidade nas cidades, já que o mundo a irracionalidade se tornou banal...