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10-07-2024        As Beiras

Segundo rezam diversas fontes online, que raramente se citam umas às outras e por isso é difícil discernir qual a original, a expressão silly season, que designa a atividade noticiosa no período de férias teve origem em 1861, na revista londrina The Saturday Review e foi dicionarizada em 1894. Passou a ser um fenómeno global todos os anos, entre Julho e Agosto no Hemisfério Norte e por volta do Natal no Hemisfério Sul. Na verdade, refere-se aos períodos de abrandamento da atividade política, aquando da vilegiatura dos governos e/ou das assembleias parlamentares. Em português podemos designá-la por estação idiota, ou ridícula, ou tonta, ou parva, ou... o que mais for conforme a artificialidade da inteligência do tradutor/traidor.

Mas porquê usar a História para tratar um assunto tão frívolo como este?

Usei a História porque hoje ela parece estar totalmente ausente da oralidade noticiosa, dita jornalística. Um destes dias ouvi uma certa pivot televisiva a chamar extremista ao antigo presidente da República Francesa François Hollande. Não, não era uma comentadeira qualquer, era uma pivot. Isto foi no noticiário televisivo... mas mesmo no que diz respeito à comunicação escrita, se a ausência da História ainda não se insinua como dominante, para lá caminha, infelizmente. Custa-vos a crer? Não me parece. Observem então cuidadosamente aquilo a que estamos a habituar-nos, porque os seres humanos acabam por habituar-se a tudo, mas depois podem levar séculos, no caso de Portugal pelo menos meio século, a tentar desabituar-se

A iliteracia histórica é um dos dramas da política contemporânea e é transcendente aos agentes mediáticos. Está programaticamente incutida nas sociedades desde que as historiografias de cariz propagandístico, indutoras dos extremismos nacionalistas, foram desmascaradas. Tenhamos em conta o que se passa em Itália, na Hungria, nos Países Baixos, o que se passou no Brexit, no Brasil, na Argentina, o que agora mesmo em França escapou por um triz, o que é quase certo que vai voltar a acontecer nos EUA.

Augusto de Castro, o comissário da Exposição do Mundo Português de 1940, descreveu aquela mesma mostra através de um diálogo imaginário, mantido entre dois visitantes pobres da província que se tinham deslocado propositadamente à capital. Um deles era o que se considerava na altura minimamente letrado, com a terceira ou quarta classe digamos, o outro era analfabeto. As palavras do primeiro, “ingenuamente” sedimentadas no conhecimento básico da história lusa, serviam para enaltecer o nacionalismo do segundo, que assim projetava no ditador, seu contemporâneo, todos os êxitos que o seu amigo lhe ia relatando.

Nos dias que correm, se isso voltasse a acontecer, e já esteve bem mais longe, seriam ambos analfabetos e a História teria sido substituída pela inovação, pela comunicação telemática e pela confiança nos consumismos tecnológicos do futuro risonho, mas a finalidade seria exatamente a mesma.

Eu nasci numa altura em que os ecos da proclamação segundo a qual “escrever poesia depois de Auschwitz era uma barbaridade” eram ainda bem presentes. Do modo que estão as coisas na contemporaneidade, com a invasão da Ucrânia e o genocídio de Gaza acrescidos de um vasto número de conflitos armados em diversas escalas regionais, ao todo mais de meia centena e quase todos com motivações nacionalistas ou imperialistas, só posso esperar que os vindouros não tenham de ouvir novamente aquele tipo de ecos.

Deixo uma última pergunta, com tudo isto que se está a passar no mundo, será que vamos mesmo ter pachorra para uma estação idiota, no período que agora começa? Pois... Não me admirava nada, tudo pode acontecer.


 
 
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José António Bandeirinha



 
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