Debate-se neste momento na Alemanha a hipótese de ilegalizar a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido populista de extrema-direita que possui já forte representação no Bundestag e praticamente todas as sondagens colocam em segundo lugar nas próximas legislativas e estaduais, com cerca de 25% dos votos. Poderá mesmo vencer em estados mais orientais, como o da Turíngia. Entre outras medidas, a AfD propõe-se combater a imigração e sair da zona do euro, impondo ainda uma acentuada política de «germanização» do país e de aproximação à Rússia. Ao mesmo tempo, esteve há pouco envolvida num plano destinado, se chegar ao poder, a expatriar para um país africano não especificado um número indefinido de cidadãos «não assimilados», incluindo quem detenha já passaporte alemão ou direitos de residência.
Este episódio chocante é apenas mais um sinal do panorama negro e preocupante que tem vindo a instalar-se por todo o continente europeu, estimando diversos analistas que o parlamento de Estrasburgo possa ter, dentro de pouco tempo, cerca de um terço dos seus deputados vinculados a esta área política extremista. Maximilian Ruf, investigador nas áreas do extremismo e da prevenção da violência citado pelo semanário Expresso, tem escrito sobre o facto de esta possibilidade não representar qualquer paradoxo: «A nossa História mostra que a democracia pode ser subvertida através da democracia, por atores que, a partir de dentro do sistema, procuram destruí-la.» Do Atlântico aos Urais, apesar de algumas especificidades locais a situação é basicamente a mesma.
O que pretende a nova extrema-direita? Desde logo, uma mistura das velhas receitas do nacionalismo e de manipulação da história que antes da Segunda Guerra Mundial alimentaram a ascensão dos fascismos. Mas também a imposição declarada do racismo e da xenofobia, a rejeição do multiculturalismo e a reivindicação da tradição, associadas ao neoliberalismo económico, ao desprezo das democracias liberais e à simpatia pelos governos autoritários e «iliberais» que são aberta ou veladamente contra a União Europeia, como acontece com o russo e o húngaro. Falta aqui, na aparência, a componente totalitária e abertamente genocida que caraterizou o nazismo, mas este será o passo seguinte, a dar quando as instituições democráticas e a opinião pública deixarem de ser necessárias para validar o seu acesso ao poder.
Estas forças aproveitam os descontentamentos e os medos de um número crescente de cidadãos perante as incertezas do seu destino, recorrendo à pior demagogia, à mentira e à manipulação da informação. O ensaísta Giuliano da Empoli chama «engenheiros do caos» aos setores que para expandirem essa sinistra teia estimulam junto dos cidadãos uma perceção negativa do funcionamento das democracias. Ao mesmo tempo, Liz Fekete, responsável por organismos europeus antirracistas, considera que ela apenas é possível porque vivemos numa «Europa adormecida». Ora este adormecimento existe, em larga medida, porque um número crescente de cidadãos ignora as lições da história, permitindo, em diferentes circunstâncias, uma repetição das estratégias que entre as décadas de 1920 e 1940 impuseram na Europa as trevas, o Holocausto e a guerra total.
Mas acontece também porque um volume crescente de forças políticas democráticas tende, também como ocorreu num passado entretanto esquecido, a subvalorizar este perigo. Preocupam-se com o jogo eleitoral e a sua afirmação dentro do sistema democrático, sem, todavia, se mostrarem capazes, além de afirmações genéricas, de tomar medidas efetivas, se necessário recorrendo à força da lei, contra os partidos e as organizações que todos os dias se preparam para destruí-lo. Em Portugal estão até protegidas pela Constituição, que no artigo 46ª determina a proibição de associações que «se destinem a promover a violência» ou que defendam o racismo, bem como pelo Código Penal, que no artigo 240º considera crime a promoção da discriminação e o incitamento ao ódio e à violência. Devem, por isso, agir de forma decidida. Antes que seja tarde demais.