Todos conhecemos a frase-feita que proclama «antigamente é que era bom». Todavia, o conhecimento histórico mostra que o princípio subjacente ao seu repetido uso e ao erro de perspetiva que impõe – perspetivando um passado considerado melhor que o presente – é tão antigo quanto a existência humana. Sabe-se que as grandes caçadas representadas nas pinturas rupestres correspondiam a uma idealização da abundância colocada num passado ao qual se desejaria regressar. A idealização do tempo cíclico, que antes da vitória da ideia de progresso acompanhou a maior parte do trajeto das sociedades humanas, reflete essa perspetiva, sempre ligada a um desejo de regresso ao que se cria outrora magnífico.
A cultura escrita reflete essa perspetiva pelo menos desde a frase de Cícero «o tempora o mores» («oh tempos, oh costumes!») usada em 63 a.C. no primeiro dos seus discursos contra o senador romano Lucius Sergius Catilina. Quando trabalhei, na condição de historiador, sobre os séculos XVII e XVIII, deparei com inúmeros exemplos dessa expressão de nostalgia, como aconteceu com aquela carta de 1723 em que um amigo se queixava a outro, ambos de avançada idade, da falta de fibra da juventude, afirmando que «noutro tempo é que havia homens de bigodes». Perde-se hoje a conta às obras de ficção e aos textos memorialísticos onde se utiliza esse registo venerador do passado.
Em Portugal, a cultura do Estado Novo insistiu muito nele. Desde logo ao descrever como exemplares, desde a escola primária, figuras, factos e atitudes que tinham pautado uma grandeza imaginária ou exagerada, tomada como indispensável para alimentar uma determinada noção da identidade nacional e do destino pátrio. Depois, para exaltar a saga da construção e da manutenção do império, olhado como património inalienável. Finalmente, como eixo da sensibilidade e dos valores do salazarismo, insistindo na tradição do catolicismo ultramontano e no elogio desse ruralismo incorporado num modelar e imutável «doce viver habitualmente».
Esta especificidade nacional relaciona-se com um princípio global que tende a colocar o «novo» em conflito com o «antigo», num processo de incompreensão perante a novidade tanto maior quanto a velocidade das transformações acelera. O psicólogo social norte-americano Adam Mastroianni, que tem estudado o modo como diferentes grupos e gerações olham o mundo único e diverso que partilham, afirmou em entrevista recente saída no Público que a frequente valorização do passado se deve «a um viés da memória», já que tendemos sempre a guardar as melhores recordações e a deixar fugir as piores. Desta forma, o «antigamente é que era bom» não passa de uma ilusão.
Em artigo publicado com Daniel Gilbert na revista Nature, intitulado «A ilusão do declínio moral», Mastroianni analisou mais de 12 milhões de respostas a inquéritos realizados em 60 países entre 1949 e 2019, concluindo que, ao longo destes 70 anos, a perceção de que a moralidade se encontra em queda existiu sempre. O estudo constatou ainda a existência de uma tendência para pensarmos que esse declínio começou sensivelmente por volta da altura em que nascemos, independentemente de termos nascido em 1935 ou em 1995, o que ajuda a corroborar a referida hipótese do «viés de memória» que conduz à hipervalorização do passado.
Na verdade, «antigamente» era bom como era mau, tal como com o «hoje» acontece a mesma coisa. A atenção prestada é que difere, como diferem os ângulos de análise e os códigos de quem observa. Realidades e práticas positivas desapareceram, sem dúvida, substituídas por outras diferentes, em alguns casos piores ou menos completas, mas o contrário também ocorre. Quem tem a felicidade de conviver de forma atenta, interativa e aberta, sob uma perspetiva nada moralista, com o dinamismo das gerações mais novas, assim como quem conhece a história dos últimos duzentos anos, sabe que a observação do passado como modelo de perfeição, além de retrógrada, é parcial e absurda. Funciona, além disso, como obstáculo a uma compreensão dinâmica e plural do presente.