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15-07-2023        Jornal de Notícias

A recente revisão do Código do Trabalho que o Governo concretizou trouxe alterações relevantes. Pode e deve mencionar-se as matérias de grande significado que ficaram de fora e deviam ter sido consideradas para equilibrar poderes. Contudo, agora é indispensável caraterizar bem o que potencialmente poderá ser positivo ou negativo e agir. O facto de as alterações, no seu global, permitirem dizer-se que esta revisão não segue outras anteriores carregadas de malfeitorias aos trabalhadores, e de terem sido feitas debaixo do chapéu da Agenda do Trabalho Digno, não as tornam automaticamente positivas.

Em debates em que tenho participado sobre a matéria e, em particular, no colóquio realizado pelo CoLABOR no dia 4, surgem alertas significativos. O ajustamento e o valor daquelas alterações serão determinados pelas relações de forças entre os atores, pelas opções políticas em cada tempo e pela jurisprudência que se vai formando. E o atual contexto está carregado de armadilhas.

Debaixo de uma falsa modernidade, prossegue a promoção do conceito “colaborador” em substituição de trabalhador. Esse conceito é velhíssimo e bafiento. O Estatuto do Trabalho Nacional publicado em 23 de setembro de 1933 - peça da institucionalização do regime corporativo/fascista - inspirado, como explicou Marcelo Caetano, na Carta del Lavoro de Mussolini, inscreve no Art. 22 “o trabalhador intelectual ou manual é colaborador nato da empresa onde exerce a sua atividade e é associado aos destinos dela pelo vínculo corporativo”. Toda a legislação posterior, até ao 25 de Abril, manteve o enunciado de “princípios da mútua colaboração”. Foi a democracia que acabou com esse velho colaboracionismo. O conceito não tem enquadramento constitucional ou legal. O que são então os direitos e deveres do “colaborador”? Todos os que utilizam este conceito terão noção do que andam a promover?

A conquista do fundamental dos direitos e deveres progressivos no trabalho assentou num tripé: i) a existência do direito de organização e representação coletiva dos trabalhadores e por arrastamento das entidades patronais; ii) o respeito pelo Direito do Trabalho com a sua especificidade; iii) a efetividade da negociação coletiva. Estes três pilares, articulados, ancoraram Sistemas de Relações de Trabalho com poderes equilibrados. Hoje vários dos argumentos expandidos contra disposições legislativas progressistas visam estilhaçar o Sistema de Relações Laborais da nossa Democracia.

O Direito do Trabalho traça balizas que obrigam a articular interesses económicos com valorização dos direitos sociais e humanos. Todavia, jamais pode ser moldado por “imperativos” económicos ou por políticas de emprego voltadas para a precariedade. Por outro lado, respostas voluntaristas e pretensamente pós-modernas que o Governo fez avançar, e promove com ligeireza, podem transformar-se em perigosas armadilhas. A Direita está a invocar a “má técnica” legislativa do diploma, para gerar dúvidas sobre disposições progressistas, preparando matéria que possa chegar ao Tribunal Constitucional. E, ao contrário das forças à esquerda do PS, a Direita dispõe de representação parlamentar para ativar esse recurso.

Há hoje novas formas de organização e de prestação e novos instrumentos de trabalho que originam leituras diversificadas para o seu enquadramento. A Constituição da República permite enquadrar essas novas realidades ou roupagens. Felizmente, o que não permite é a desproteção dos trabalhadores.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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