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05-02-2022        As Beiras

No que respeita ao essencial dos resultados das eleições do dia 30 de janeiro, não há volta a dar. Para além da inequívoca e confortável maioria absoluta que António Costa e o PS obtiveram, libertando-os para afirmarem o seu projeto próprio, mas também para os perigos de uma governação autocentrada e sem grandes concessões políticas, e da grande e rápida subida de uma direita à direita do próprio CDS, associada à difusão sistemática do ódio social e do racismo, ou ao recuo do Estado-Providência e ao regresso a um capitalismo selvagem inspirado no mundo brutalmente desigual do século XIX, eles representaram uma inegável derrota do Bloco de Esquerda e do PCP. Esta ocorreu numa escala que nem os mais pessimistas ou clarividentes, apesar dos sinais das sondagens, foram capazes de prever.

Pior, todavia, que esta derrota, expectável para quem não andasse a viver um tanto fora da realidade e dominado por absolutas certezas, foram dois fatores a ela intimamente ligados. Em primeiro lugar, a sua dimensão, que imporá agora a ambos os partidos, pelo menos durante um tempo razoável, uma menor capacidade de influência política institucional, necessariamente transferida para o espaço da luta sindical, da rua e das redes sociais. Em segundo, a aparente resistência, da parte das direções de ambos os partidos e de muitos dos seus militantes, a desenvolverem um processo de crítica e de autocrítica capaz de impor um reconhecimento dos erros táticos, empurrando apenas para os ombros de outros – do PS, sobre o qual têm desenvolvido uma espécie de teoria da conspiração, e de muitos dos seus tradicionais eleitores e aliados –, responsabilidades que em larga medida são próprias.

Para a democracia e para as políticas progressistas e solidárias que a esquerda contém no seu ADN e promove na sua missão histórica – tomada essa esquerda num todo que inclui o PS com toda a sua pluralidade e contradições –, este brusco enfraquecimento é dramático e precisa ser rapidamente atalhado. Porque existiu um significativo setor do eleitorado que nas atuais circunstâncias, por medo de um regresso da direita, fez transitar o seu voto para os socialistas, mas que rapidamente neles deixará de se rever; e também porque, enredados nas teias da maioria absoluta e dos grupos de pressão que atravessam o seu partido, estes muito dificilmente aceitarão governar para além dessa «política do possível» que não questiona frontalmente algumas das dinâmicas do sistema financeiro, requerendo um contrapeso que permita ir mais além na defesa dos direitos dos trabalhadores e do Estado social.

A recuperação dos dois partidos da «esquerda à esquerda» dependerá, porém, da mudança de algumas escolhas e atitudes. Desde logo, assumindo-se como partidos construtivos, que representam interesses e políticas reivindicativas, mas que podem fazê-lo governando, dialogando e convergindo, e não apenas na perspetiva da resistência, do protesto e de um ideal mitificado de «luta». Aceitando e assumindo como sua a essência dessa democracia representativa que muitos setores do PCP apenas consideram uma cedência tática destinada a promover a futura tomada do poder, e alguns segmentos do Bloco, não pensando dessa forma, nem detendo um modelo dogmático, ainda olham como mera etapa. Daí a forma como dirigentes e membros de ambos os partidos têm depreciado os eleitores que, em nome da resistência ao pressentível avanço da direita, nestas eleições transitaram para o lado que consideram «errado».

Todavia, Bloco e PCP permanecem – em conjunto com forças como o Livre, que parece anunciar outros voos – absolutamente imprescindíveis para a nossa democracia. Desde já, para ajudarem a colocar um travão nas inevitáveis tentações da maioria absoluta; e também para com o máximo empenho participarem no combate a uma direita extrema, populista, neoliberal, nacionalista e selvagem, que agora, a partir da tribuna do parlamento, ergue a cabeça com redobradas condições de difusão que a comunicação social irá ampliar. Para o conseguirem têm forçosamente de projetar políticas de fôlego definidas pela positiva, aceitando dialogar onde for necessário simultaneamente com firmeza e abertura, e fazendo-o sempre sem se fecharem nas suas cápsulas, num quadro de total respeito pela inteligência crítica do cidadão comum e pela vontade expressa do eleitorado. Desta forma devolvendo a confiança aos eleitores que agora perderam e acolhendo outros. Depende sobretudo deles.


 
 
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Rui Bebiano