Na linguagem utilizada pela ciência médica, o sufixo «-ite» aplica-se em regra a uma doença, à inflamação de um determinado órgão ou à falha de uma estrutura anatómica. Por analogia, ele costuma ser usado também para referir uma certa deterioração do funcionamento associada a atitudes de natureza social ou política que, sob determinadas circunstâncias, assume em alguns indivíduos uma dimensão que pode ser tomada como patológica. Vou referir-me aqui a duas delas, numerosas vezes associadas a uma apreciação pública muito negativa de dadas formas do comportamento pessoal: a «clubite» e a «partidarite».
Nada de confusões de interpretação, pois são respeitáveis as instituições que se encontram no radical de cada uma destas palavras. De facto, o clube, como círculo destinado a aproximar pessoas a partir de uma atividade cultural, de uma modalidade de recreio ou de certas práticas desportivas, é um instrumento de socialização indispensável, numerosas vezes capaz de levar os cidadãos a experiências ou a feitos, pessoais ou conjuntos, de enorme mérito. Por sua vez, o partido político, não sendo um fator exclusivo para o bom funcionamento das democracias, que não se esgotam na sua atividade, é, sem dúvida, um instrumento essencial da sua vitalidade, dado agregar os cidadãos em função de escolhas que pretendem fazer valer ou de proximidades no campo programático e da ideologia que tencionam ver aplicadas.
Os problemas começam, todavia, quando aquelas que são opções inteiramente legítimas adquirem uma dimensão monolítica e autocentrada, influenciadas por uma cegueira e uma intolerância que escapam aos domínios da razão e até da elementar convivialidade. Nesta medida, tanto no campo clubístico – particularmente notado, entre nós, em associação com o universo popular do futebol –, como no partidário, tal patologia passa pelo apagamento da dimensão crítica, tornando quem dela padece incapaz de reconhecer falhas, desvios ou erros. Inapto mesmo para aceitar as menores hesitações ou incoerências, jamais acedendo a que estas possam ser contestadas, em especial se o questionamento ocorrer de uma forma pública.
Encontramos com frequência situações destas, nem sempre dependentes da inteligência ou da sensibilidade de quem lhe dá corpo. Quem sofre de «clubite» ou de «partidarite» apenas vê uma face da realidade, chegando a calar a própria consciência, a colocar entre parêntesis o discernimento que mostra em outras situações, ou a compactuar com escolhas e juízos que em diferente contexto consideraria inadmissíveis. Todos conhecemos pessoas assim, neste particular com práticas de dupla personalidade idênticas às facetas Dr. Jekyll e Mr. Hyde da conhecida novela gótica de Robert Louis Stevenson publicada em 1886. São capazes de calar as maiores infâmias ou contradições de princípios, desde que estas sejam propostas pelo clube ou pelo partido que veneram, como se este fosse sagrado e incontestável, além de isento de erros. Isso em nada abona em seu favor, mas o sectarismo tolda-lhes a lucidez.