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26-11-2017        Jornal de Notícias

O debate político em torno do Orçamento do Estado (OE), dominado nos meios de Comunicação Social pela Direita, trouxe consigo inúmeras perplexidades. Ouvimos repetidas vezes que o OE para o próximo ano é despesista e que os ganhos fiscais do atual crescimento económico, que reforçam as receitas do Estado, deveriam estar consagrados ao pagamento da dívida pública. Para enganar o povo, a Direita compara de forma simplista o OE a um orçamento familiar, esquecendo que, ao contrário do que acontece com as famílias, as decisões de despesa e de investimento dos OE influenciam as receitas que serão obtidas e, logo, o saldo final.

Observa-se um enorme esforço argumentativo no sentido de voltarem a convencer os portugueses de que as causas da crise que explodiu em 2007/2008 foram os gastos do Estado com políticas sociais e pensões de reforma, com educação e saúde, com salários da Administração Pública (AP), quando está provado até à exaustão que ela emergiu de uma crise financeira internacional - demolidora para países como o nosso - e se agravou por efeito da podridão do nosso sistema bancário, dos negócios promíscuos entre o Estado e grandes interesses privados e pela falta de uma estratégia de desenvolvimento articulada e sustentada. A austeridade e os cortes a ela associados foram injustos e indignos para a esmagadora maioria dos portugueses e só trouxeram recessão, falências, desemprego, regressão social e um aumento do peso da dívida no PIB.

Nos últimos três anos, tem sido graças à reposição de rendimentos e direitos das pessoas que o consumo interno cresce, ajudado também pelo bom comportamento do turismo. Este crescimento, que se traduz em mais receita fiscal, pode gerar um crescimento económico nominal suficiente para colocar a dívida pública numa trajetória descendente. Por outro lado, não esqueçamos que quando o Estado corta na despesa com saúde, ensino ou proteção social está a retirar rendimentos às pessoas.

Uma variante do discurso da Direita é o da injustiça social deste OE que, dizem, traz ganhos aos trabalhadores do setor público em detrimento dos trabalhadores do privado. Significa isto que a Direita está preocupada com a melhoria das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores do setor privado? Não. Os objetivos da Direita são outros: i) evitar discutir a justiça das medidas em causa, nomeadamente no que ao descongelamento das carreiras diz respeito; ii) retirar do debate público a descida do IRS que resultará em ganhos salariais para todos os trabalhadores; iii) tentar, pela enésima vez, colocar os funcionários públicos contra os trabalhadores do setor privado, como ainda recentemente colocava os "privilegiados" da Autoeuropa contra os do setor da restauração e amanhã colocará os portugueses contra os estrangeiros; iv) dificultar a reposição salarial na AP e tentar evitar que ela possa influenciar positivamente as negociações salariais no privado; v) travar o mais possível a subida do SMN ou a reanimação da contratação coletiva, tão necessários para melhorar a vida dos trabalhadores do setor privado.

Em suma, a Direita procura, a todo custo, passar a normalidade duradoura o que foi antes apresentado como "estado de exceção" devido à crise. Para atingir os seus objetivos vale tudo na sua propaganda. Mentem quando dizem que não houve desemprego de professores e na Administração Pública, quando comparam salários dos funcionários públicos com os do privado sem considerarem qualificações. E é elucidativo ver que esquecem os argumentos do pagamento da dívida quando reclamam redução de impostos sobre rendimentos do capital ou de património.

Esta histeria à Direita não pode, no entanto, dar azo a complacência à Esquerda. O garrote europeu em torno do Orçamento e da dívida mantém-se, como ficou bem claro em declarações feitas esta semana por dirigentes da União Europeia. Continuamos numa situação de grande vulnerabilidade económico-financeira face a qualquer instabilidade internacional que pode fazer com que a dívida se torne novamente num enorme problema, não por causa de infundados despesismos públicos, mas devido a determinações dos poderes que nos são alheios, nomeadamente da finança internacional e suas instituições políticas.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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