A escolha do primeiro-ministro polaco Donald Tusk para Presidente do Conselho Europeu e do luxemburguês Jean-Claude Juncker para Presidente da Comissão Europeia é a resposta política mais clara que a União Europeia poderia ter dado ao desafio que a crise financeira e económica lhe colocou. As tensões sociais crescentes e o apodrecimento político sensível em boa parte dos Estados membros da União colocaram-nos numa encruzilhada. Os seus termos são simples: manter a orientação política sobredeterminada pela prevalência da liberdade de circulação de capitais e pela centralidade indiscutida dos mercados financeiros, aceitando uma inserção cada vez mais subalterna da Europa no sistema de relações internacionais ou mudar radicalmente de orientação, dando primazia ao que fez da Europa uma entidade singular no sistema internacional – o seu modelo social – e apostando portanto no emprego e nos direitos como força atrativa em escala global. Ao escolher Juncker e Tusk, a União Europeia escolheu a via da obstinação na desregulação e na polarização social. Escolheu a via do enfraquecimento da união e da Europa, portanto.
Juncker é – juntamente com Durão Barroso, Merkel ou Hollande – um rosto maior da crise da Europa. Ao presidir ao Eurogrupo, Juncker foi mesmo o responsável máximo pela deliberada falta de resposta às pressões especulativas que geraram e de que se alimentou a crise atual. A União escolheu pois a crise para responder à crise. Não deixa de ser, por isso, de grande importância o facto de a sua eleição ter sido apoiada não apenas pelo Partido Popular Europeu mas também pelos liberais e pelos socialistas, a que se juntou boa parte dos votos dos eurodeputados do grupo dos Verdes. O bloco central europeu foi uma vez mais o colete de forças das escolhas políticas europeias. E Marinho e Pinto integrou-o nesta escolha fundamental. A confirmar-se a atribuição da pasta do emprego, na Comissão Europeia, a Carlos Moedas – pilar convicto da política de desemprego da Troika para Portugal – os/as votantes em Juncker, todos/as eles/as, terão prestado em dobro um mau erviço à Europa. Mas o bloco central é assim mesmo, aliança de fundo e oposição de cosmética são os seus ingredientes geminados e simultâneos.
Donald Tusk, por sua vez, é aquilo a que o bloco central gosta de chamar um “europeísta convicto”. “Prefiro o pragmatismo a grandes desígnios visionários” – diz de si próprio. Em europês, pragmatismo quer dizer privatizações, desregulação, abate de direitos. Um credo e uma prática que Tusk fez seus enquanto primeiro-ministro polaco desde 2007. Quando a Europa mais carece de desígnios visionários, a escolha de Tusk amarra-a a radicalizar o caminho da desistência e a retomar a cultura mais sombria da guerra fria. Chamam-lhe pragmatismo.
Uma Europa assim, que mostra neste arrastado processo de nomeação dos seus líderes de circunstância um trágico apego à cultura ancestral da diplomacia de salão do diretório do século XIX, não tem remissão. Há quem insista em ignorar olimpicamente que esta é a Europa concreta e que o bloco central é a política concreta da Europa concreta. Há quem se devaneie em exercícios de imaginação institucional sem levar em conta o peso altamente revelador que esta Europa concreta tem. Há quem fale de democracia em abstrato mas sem se distanciar radicalmente da Europa concreta ousando exigir a sua refundação e pondo para isso em causa todos os arranjos institucionais que a mantêm refém da perpetuação do bloco central. Juncker, Tusk e os seus mentores – os públicos e os outros – agradecem.