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15-03-2014        Jornal de Notícias

O Manifesto pela reestruturação da dívida, já valeu muito pela agitação que desencadeou no pântano das inevitabilidades. Agita-se Passos Coelho e seus ministros, agitam-se os Catrogas, agitam-se candidatos da Direita ao Parlamento Europeu, agita-se a Comissão Europeia e até se agita o funcionário do FMI que esteve na troica até há poucos meses. O que vem ao de cima é desorientação, fraqueza, e falta de razão.

Vale a pena ver o que veio ao de cima com a agitação do pântano.

O timing. Disse um deputado do PSD, na Assembleia da Republica que o mal estava no timing. Agora – perguntava ele – que estamos quase a chegar ao fim do programa, vêm com propostas que podem irritar “os mercados”?

Mas o que seria um bom timing? Diz a Drª Teodora Cardozo: “uma reestruturação só se justifica numa situação de catástrofe, como a grega”. Então esse é que seria o timing apropriado? Esperar que chegue a catástrofe para reconhecer que a dívida não é pagável?

Pires de Lima, inchado de competência, afirma que o Manifesto é “inoportuno” e um “tiro no pé”. Para justificar a afirmação recorre a uma interpretação mentirosa sobre o conteúdo das propostas e insiste na ilusão do “fim de um percurso” com êxito. Ora, a 17 de maio não estaremos no fim do percurso, mas sim no fim de uma etapa de um longo percurso de empobrecimento e incapacitação do país, proposto por governo, troica e Presidente da República. O que se segue é uma etapa ainda mais violenta, quando grande parte da sociedade portuguesa já está exausta e aqueles que têm condições fogem do país.

A catástrofe. Dizem deputados da Direita e alguns comentadores de serviço, que a reestruturação seria uma catástrofe. É verdade que sem acesso a mais empréstimos, o Estado português teria de financiar as suas despesas com as suas receitas. Isso é difícil. Mas é precisamente o que o orçamento de 2014 prevê: saldo primário (sem juros) nulo, despesas financiadas por receitas. E, muito mais difícil é ter saldos orçamentais primários de 3% do PIB durante vinte anos, como está previsto no programa que não tem fim. Isto sim é austeridade para lá do imaginável.

Irrealismo. Diz Passos Coelho que reestruturar é irrealista. Mas, depois do agitar do pântano, o significado de irrealismo alterou-se. Quem pensa ser possível pagar a dívida até o último cêntimo, com estes juros e estes prazos, está obrigado a explicar, tim-tim por tim-tim, como é que isso pode ser feito e as implicações de o fazer. Veremos então o que é irrealista. O Primeiro-ministro pode mesmo começar por explicar as duras medidas que tem escondidas até às eleições europeias.

O tabu. De tudo o que veio à tona com o agitar do pântano, o tabu é o mais revoltante. “Todos sabemos que a dívida não pode ser paga até o último tostão” – dizem em privado os mesmos que mandam calar quem o reconhece abertamente –, “há verdades que não podem ser ditas porque os mercados se zangam”. Mas alguém em perfeito juízo, e minimamente conhecedor dos tempos que vivemos, acredita que Portugal encontrará uma saída justa e digna para o seu povo, com o aplauso dos mercados?

O tabu repugna porque sugere que quem não se cala é mau português. Sugere também que quem não se cala a bem tem de ser calado de outra maneira qualquer. Sugere, ainda, que a verdade pouco importa e que o debate público é irrelevante; que a democracia já não conta e que nos resta aceitar a vontade e o interesse dos “mercados”. Por aqui passa uma linha vermelha. Os que gritam “calem-se” estão a pisá-la.

Se tivéssemos dúvidas aonde este tabunos pode levar veja-se o que o Presidente Cavaco Silva fez aos conselheiros que não se calaram. Parece ser um liminar: “ponham-se no olho da rua, porque à minha volta só quero gente que esteja de acordo com o que eu digo”. Gostava muito de estar engando, mas provavelmente não estarei: Cavaco Silva jamais se assumiu ou assumirá como Presidente de todos os portugueses, está profundamente comprometido com as políticas que conduziram o país à crise, insiste em submeter os portugueses ao aprofundar das desigualdades, das injustiças e do sofrimento do povo. Isto dói e merece revolta.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
juros    crise    dívida pública