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08-03-2014        Jornal de Notícias

Está mais que comprovado o fracasso e a injustiça da receita da austeridade e do empobrecimento. Mas este capitalismo neoliberal europeu e português que nos desgoverna não tem, nem deseja ter, qualquer outra alternativa. Insiste, propositadamente, na construção de diagnósticos viciados, para atingir os objetivos pré-definidos por que se move: quebrar anseios de progresso e desenvolvimento dos povos, fazer regredir a sociedade para aumentar a riqueza desmedida, alimentar a ganância, a vida ostensiva e o poder dos muito ricos e seus acólitos.

Há milhares e milhares de portugueses que trabalham pelo custo de ir para o trabalho ou pouco mais. E milhares de jovens, incluindo licenciados, que pagam para trabalhar, na esperança de fazer currículo, ou de um qualquer contrato no futuro. O país despovoa-se e envelhece porque são destruídas atividades económicas e estruturas de serviços, porque o desemprego e os reduzidos salários obrigam à emigração.

Entretanto, a saga dos baixos salários continua. A diretora do FMI, Christine Lagarde, disse esta semana que não se deve “cortar sempre nos salários”, mas não tem outra recomendação que não seja “reduzir o custo global da mão-de-obra”. O que significa isto? Facilitar os despedimentos, eliminar a contratação coletiva e dimensões de dignidade no trabalho, cortar nos direitos dos trabalhadores no ativo para que não sejam “mau exemplo” para os jovens totalmente desprotegidos.

Aí está o capitalismo caminhando para a ressurreição da escravatura. Agora uma escravatura escondida sob a aparência de um contrato livremente celebrado entre duas partes. Se uma delas – o trabalhador – não conseguir obter no mercado um salário que garanta a sua sobrevivência e da família, pode sempre socorrer-se das “cantinas sociais” e das obras de caridade que o capital alimenta com umas migalhas do grande banquete em que se encontra.

Até a palavra desenvolvimento está a desaparecer dos discursos oficiais. Lagarde, a troica, os nossos governantes, os dirigentes do PSD e do CDS só falam de crescimento. Crescimento para quem, se há destruição e abaixamento da qualidade do emprego, redução de salários, diminuição da proteção social e de direitos fundamentais?

Passos e Portas dizem não apostar em modelos de baixos salários mas, desde que chegaram ao governo, lançaram uma catadupa de medidas que diminuem os salários e os rendimentos do trabalho, que agravam o desemprego. Não há melhoria de salários com relações laborais determinadas pelo poder unilateral do patrão, com elevadas taxas de desemprego, a juventude sem direito a trabalho digno, ou sem atualização obrigatória dos salários mínimos.

O calçado português – que arrancou para a sua modernização, designadamente porque há mais de 20 anos se fez uma grande campanha contra o trabalho infantil – é agora o mais caro no mercado a seguir ao italiano. Com que salários? Qual o futuro do setor, no seu conjunto, se não existe uma atualização salarial justa e regular?

Propagandeiam-se medidas de apoio à natalidade, mas não passarão de exercício de encanar a perna à rã se não houver uma significativa melhoria na retribuição do trabalho, combate ao desemprego e à precariedade laboral!

No Caderno do Observatório “Quanto é que os salários teriam de descer para tornar a economia portuguesa competitiva?”[1], de João Ramos de Almeida e José Castro Caldas, é denunciada a mentira constantemente repetida de que os salários cresceram mais que a produtividade – “entre 1996 e 2007, em termos reais, os salários cresceram 11% e a produtividade 15%” – é demonstrado que “o endividamento externo não resultou de um crescimento desmesurado dos salários, mas de 1) uma valorização cambial artificial…; 2) da expansão do setor de bens não transacionáveis…; 3) do acesso a um financiamento abundante e a baixos custos, proveniente de economias superavitárias”. Pode acrescentar-se ainda: da abertura do espaço económico europeu a importações baratas vindas de Leste e do Leste distante.

Não se massacre mais quem trabalha!



[1] Os Cadernos do Observatório são publicados pelo Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais da Univ. Coimbra. O 1.º número está disponível em www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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