A comunicação “glocal” potencia o diálogo entre os centros e as periferias.
Celebra-se hoje o Dia Mundial da Rádio. Efeméride que suscita a pergunta: como utilizar o valor organizacional da comunicação em prol da capacitação de indivíduos, grupos e comunidades pobres, marginalizadas e info-excluídas?
A resposta das várias agências especializadas das Nações Unidas é peremptória: através das rádios comunitárias, instrumentos privilegiados de "Comunicação para o Desenvolvimento" que instituem um novo paradigma desenvolvimentista, “Acção Local, Impacto Global”, atento às singularidades de cada contexto e alicerçado na “participação inclusiva” como processo de empowerment e accountability das sociedades excluídas pela “Globalização da Informação”.
Actualmente, em todo o mundo, a grelha programática das rádios comunitárias inclui campanhas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) sobre desenvolvimento rural, preservação ambiental, nutrição e comercialização de produtos alimentares e agrícolas; da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na área da comunicação social e das TIC; do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) sobre os desafios impostos pelo crescimento populacional; do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sobre má nutrição infantil, fortalecimento das infra-estruturas de saúde e expansão da educação primária; da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre imunização, controlo e erradicação de doenças fatais; do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) sobre construção e reforço da capacidade nacional em prol do desenvolvimento humano; entre outros.
Estes instrumentos de participação cívica oferecem exactamente uma oportunidade ímpar de representação directa na esfera pública, sendo, por isso, sinónimo de comunicação popular/horizontal/dialógica/interactiva/interventiva. Porquê? Encurtam distâncias e recuperam ligações, possibilitam um coworking na comunicação social, constituem um passaporte para a educação não-formal, permitem respostas claras a múltiplas chagas sociais e a situações de pobreza extrema, são oportunidades de expressão que valorizam o património cultural e línguístico, constituem o “SOS” da comunicação social africana, representam a narrativa do outro por via de novas dinâmicas sociais, permitem “conhecer para agir” (dicotomia sinónimo de boa governação), representam as vozes dos sem-voz e assumem-se, desde meados da década de 1990, como ferramentas multissectoriais de desenvolvimento socioeconómico, vitais à prossecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e, doravante, dos Objectivos de Desenvolvimento Pós-2015: já vislumbram uma economia que serve as pessoas e o planeta.
Desejavelmente, a natureza de uma rádio comunitária (RC) deve consubstanciar-se em quatro características mínimas: 1. Propriedade da comunidade (geográfica ou de interesse); 2. Sem fins lucrativos (visa apenas objectivos sociais/humanitários); 3. Gerida pela comunidade (sem interferências externas, públicas ou privadas, políticas ou comerciais); 4. A programação deve reflectir os problemas e as aspirações da comunidade onde se insere. Premissas-chave instituídas pela Associação Mundial das Rádios Comunitárias (AMARC), fundada em 1983, e que em 2012 reunia já 4351 membros votantes, em 126 países.
A Guiné-Bissau é o país africano de língua oficial portuguesa (PALOP) precursor da radiodifusão comunitária, em 1994, com a Rádio Voz de Quelelé, uma iniciativa da ONG Acção para o Desenvolvimento, sediada em Bissau. Neste momento, existem cerca de 30 RC espalhadas por todo o território nacional – incluindo o arquipélado dos Bijagós – e a grande maioria integra a Rede Nacional das Rádios Comunitárias (Renarc), fundada em 2001. Curiosamente, Moçambique é o PALOP com o maior número de RC, palco de execução do maior projecto realizado, até à data, pelas NU “Fortalecimento da Democracia e Boa Governação através do Desenvolvimento dos Media em Moçambique” (1998-2006) que resultou na criação de oito emissoras e centros multimédia comunitários (CMC), com equipamento digital topo de gama. Apesar dos constragimentos humanos, materiais, técnicos, financeiros e de formação, o Fórum Nacional das Rádios Comunitárias (Forcom), criado em 2004, tem hoje 41 membros filiados, o que demonstra a grande pujança do sector.
A globalização amplia o fosso de desenvolvimento entre regiões e a padronização dela resultante ameaça a identidade das comunidades mais frágeis... pelo que a comunicação “glocal” potencia o diálogo entre os centros e as periferias. Porque garantem a salvaguarda dos direitos e liberdades humanas fundamentais, as rádios comunitárias são, indiscutivelmente, sinónimo de "altermundialização" comunicacional: personificam uma nova “Estratégia Nacional de Comunicação para o Desenvolvimento” alicerçada em ideais garantidamente humanistas: pertença, influência, partilha, reciprocidade, mobilização, reforço, respeito pela multiculturalidade e consequente autodeterminação dos povos.