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23-11-2013        Jornal de Notícias

O JN, na sua edição da passada 5.ª feira, utilizou como título uma conclusão que emana dos dados preliminares de um recente relatório do Observatório da Família e das Políticas de Família, relativo a 2012: “Estado deixa cair apoio às famílias”. Nas duas páginas dedicadas a esta importante questão, são postos em relevo dados preocupantes: os países da OCDE gastam, em média, 2,3% do PIB com as políticas de família, enquanto Portugal apenas despende 1,5%; as crianças estão a ser fortemente penalizadas; temos menos 46 342 famílias a receber o Rendimento Social de Inserção (RSI) do que tínhamos em 2010; o abono de família é pago a menos 546 000 famílias que há três anos; o complemento solidário para idosos, ou até o subsídio para funeral, também são pagos a muito menos cidadãos. Nas políticas de família – célula vital da sociedade – estão a ser destruídas condições base de cidadania.

Como diz Karin Wall (coordenadora do Observatório), citada no JN, “as políticas de família estão a ser definidas dentro das políticas sociais viradas para a vertente assistencialista”. Por isso cresceu exponencialmente o número de cantinas sociais e “o número de refeições diárias comparticipadas pelo Estado”, pelas autarquias e outras entidades. Porquê acontece este vergonhoso processo de regressão social e humana?

Como já escrevi neste espaço, em Portugal estamos a regredir, com graves riscos, da sociedade da cidadania social – construída pela existência e prestação de direitos sociais fundamentais que são pertença das pessoas – para a sociedade da caridade. Nesta, as pessoas, já despidas de direitos, são apoiadas na sua sobrevivência amputada de dignidade, pela ação de instituições de solidariedade social.

Em definitivo, os processos de redistribuição da riqueza e de condições de bem-estar estão a ser dissociados dos valores éticos da modernidade e, mais que isso, o cinismo político está a ser usado para subverter o papel e as funções dos instrumentos de políticas públicas, nomeadamente, dos impostos e da prestação dos direitos sociais fundamentais. Perante isto, o povo, os cidadãos, dificilmente conseguem destrinçar com clareza o que de facto lhes é dado e retirado.

O chamado “roteiro Paulo Portas” para a “Reforma do Estado” pretende constituir-se em cartilha ideológica com esse caráter ambivalente e subversivo que refiro.

O governo, com o argumento da redução do défice e da obrigatoriedade do país pagar as suas dívidas, aumentou impostos e retirou direitos aos trabalhadores, aos pensionistas e reformados, aos cidadãos. Os resultados obtidos foram: uma pequena redução do défice; um aumento brutal da dívida; a quebra do Produto Interno Bruto; e o crescimento, só em 2013, de 11% do número e do volume das fortunas dos grandes milionários.

Agora, quando é bem sentido na sociedade que a carga de impostos – para as pessoas e para a maior parte das empresas – é insuportável, hipocritamente, em nome da atenuação da dureza da carga fiscal, o guião de Portas apresenta como solução que o Estado reduza cada direito social a uma base caritativa e ao princípio da adaptação dos patamares de saúde, de ensino, de proteção social, de acesso à justiça de cada indivíduo ao volume da sua carteira.

Numa sociedade que efetive o Estado de Direito Democrático, é preciso pagar impostos. Entretanto, a política de impostos jamais pode dissociar-se das condições que asseguram o funcionamento da democracia, da participação cidadã, das políticas sociais, das políticas que garantam o direito ao trabalho digno, e das formas como se processa a apropriação de rendimentos, fator que convoca profunda atenção à eficácia da justiça.

As políticas do atual governo, propositadamente, isolam as medidas adotadas em cada uma das áreas que mencionei para iludir os portugueses quanto aos seus verdadeiros custos e efeitos. Os nossos impostos têm de ser utilizados para garantir vida digna e cidadania e não serem canalizados para servir negociatas de poderosos, credores oportunistas ou agiotas.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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