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15-11-2013        Diário de Notícias

Por estes dias, a estratégia dos adeptos da receita da troika para Portugal apresenta duas faces que se complementam. A primeira é o discurso de que isto está finalmente a correr bem. Que a recessão já bateu no fundo e que a partir de agora é sempre a crescer. É o discurso dos “sinais”, um misto de tarot e de wishful thinking que inebria os que, achando que estamos condenados a viver entre recessão e crescimento praticamente nulo, rejubilam com uma taxa de crescimento de 0,2% sem cuidar de constatar que esse valor é letal para uma economia periférica e hiper-contraída como a nossa. A segunda face é o discurso que impõe a perpetuação da receita do empobrecimento como programa para a próxima década. Esse discurso estabelece um dogma: que a austeridade que temos tido só terá sucesso (que sucesso é esse, é coisa que não diz) se for garantida por mais austeridade. O jogo entre os dois discursos é fácil: quanto mais soa o primeiro, mais o segundo encontra expressões virulentas para se impor.

O relatório do FMI com a sua análise à oitava e nona avaliações do programa de ajustamento estrutural da economia portuguesa é um manifesto pela austeridade perpétua, cuja ambição é pôr já em sentido os que ousem achar que se deve abrandar na punição da economia. Ele parte de um pressuposto certo: o de que, em matéria de “sinais”, os que dão conta da competitividade da economia portuguesa mostram “uma melhoria modesta”. A correcção do diagnóstico está, porém, carregada de perversidade: o nivelamento das economias por baixo há muito que deixou de ser um fator de competitividade acrescida e se revelou aquilo que realmente é – um programa de embaratecimento e desqualificação crus do trabalho. Mas não, o FMI avisa que o programa de punição do trabalho e da economia peca por não ser “suficientemente ambicioso”. A fasquia é para subir, portanto: o FMI quer uma contracção salarial ainda maior e para sempre, com especial incidência nos salários mais baixos dos trabalhadores menos qualificados, e quer uma maior “descentralização” (leia-se desaparecimento) da contratação colectiva. O que o FMI vem dizer é pois que a procissão da austeridade ainda vai no adro e que aos cortes de salários e pensões têm que acrescentar-se novos cortes de salários e pensões, ao abate do serviço nacional de saúde e da educação pública tem que se acrescentar mais privatização de ambos, ao bloqueio e esvaziamento da segurança social tem que se acrescentar mais fragilidade das pensões e das reformas. É um programa de guerra social aquele que o relatório do FMI anuncia.

É para cumprir este programa, e só para isso, que o troikismo nacional e externo clamam por um consenso político alargado em Portugal. A violência social do programa recomenda um apoio político mais largo do que a atual coligação de governo. É para isto que vacinam a opinião pública contra tudo o que lhes possa barrar o caminho. Que o relatório do FMI refira 27 vezes (!) o Tribunal Constitucional mostra como é claro hoje o propósito do troikismo: assestar baterias sobre a Constituição e mudar o regime de democracia política e social que ela garante.

Cresça ou decresça a economia, estagne ou suba ainda mais o desemprego, desespere a gente que desesperar, o troikismo falará grosso para abater a Constituição e o que ela consagra. Essa é a sua linha vermelha. Irrevogável. Mas agora a sério.


 
 
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José Manuel Pureza



 
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