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08-11-2013        Diário de Notícias

Rigor não tem que rimar com injustiça punitiva. Em Portugal tem sido assim: o rigor nas contas públicas é invariavelmente invocado como pretexto para sovar o mundo do trabalho e acrescentar proventos ao lado do capital. Quando nos falam de rigor já sabemos o que vem a seguir: mais cortes a atingirem os mesmos de sempre.

No argumentário usado para perpetuar este casamento entre rigor e injustiça tem lugar de destaque a razão provinciana de que “lá fora” (nos “nossos parceiros internacionais”, entre “os peritos”, “na Europa”) é assim que se pensa e nem se perde tempo com discussões sobre outras possibilidades. Pois bem, “lá fora”, “os nossos parceiros internacionais” pensam de maneiras muito diferentes, há muitos caminhos, há contradição entre “os peritos”. O pensamento da troika é apenas um entre vários e tem por isso a autoridade de uma escolha e não mais que de uma escolha.

O relatório da Organização Internacional do Trabalho sobre Portugal, esta semana tornado público, tem, como mínimo, o mérito de mostrar que é de escolhas que se trata. A OIT mostra que Portugal pode escolher sair da crise modernizando a sua economia, criando emprego e reforçando a sua afirmação nas trocas internacionais por via da qualidade. Para isso, este nosso parceiro internacional aponta como meta a adoção de políticas que animem a procura popular (aumento dos salários mais baixos, incluindo o salário mínimo, e redução das desigualdades salariais) e que criem emprego. De acordo com o relatório, uma combinação sábia entre políticas ativas de emprego e descidas das taxas de juro permitiria criar mais de 100 mil postos de trabalho nos próximos dois anos, aumentando o produto interno em dois pontos percentuais, reduzindo em quase seis pontos o rácio entre a dívida pública e o PIB e reduzindo a prazo as despesas da segurança social com subsídios de desemprego ou outras prestações sociais de socorro ao mesmo tempo que se alargaria a base de recolha de receita fiscal.

A par da busca de eficácia no combate à crise – algo que logo o situa no avesso das escolhas de afundamento sucessivo vindas da troika – a OIT coloca o combate às desigualdades no âmago da política de saída da crise. É isso que a faz advogar o reforço do rendimento social de inserção, a subida imediata do salário mínimo nacional e a revalorização da contratação colectiva contra as estratégias de isolamento de cada trabalhador na negociação cada vez mais desigual das suas condições remuneratórias e dos seus demais direitos.

Oiçamos pois os nossos parceiros internacionais. E façamos as escolhas que a diversidade das suas perspectivas nos incita a fazer. A receita do FMI e da Comissão Europeia já mostrou o que vale: por cada euro cortado no défice há 8,7 euros acrescentados na dívida pública; em dois anos foram destruídos 10% dos empregos em Portugal e 220 mil portugueses emigraram; tudo para reduzir 6 mil milhões de euros ao défice com uma retracção de 20 mil milhões na economia. Esta receita eterniza a crise e torna-nos um país mais pobre, mais dependente, mais desqualificado. Que tal ouvir então atentamente a proposta da OIT? Que tal apontar para uma saída da crise que nos torne mais fortes, mais co-responsáveis, mais ricos de património e de capacidades? Que tal abrirmos o jogo e pormos em cima da mesa o que nos faz obedecer a uns parceiros internacionais e ignorar outros?


 
 
pessoas
José Manuel Pureza



 
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