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02-11-2013        Jornal de Notícias

É com estas duas palavras que o Observatório sobre Crises e Alternativas, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), classifica os traços mais marcantes comuns aos Orçamentos do Estado (OE) dos anos 2011, 2012, 2013, quando analisa os previsíveis impactos do OE apresentado pelo governo para o próximo ano.

O OE para 2014 não pode ser analisado isolando-o da experiência concreta que temos vivido. É preciso um exercício de memória, neste caso muito recente, para observar o sentido e o alcance das políticas que vêm sendo seguidas, os seus efeitos reais e as continuidades ou ruturas que nos são propostas. Só com esta base de análise se pode obter, com alguma segurança, projeções para o futuro.

Ora, segundo o estudo dos economistas do CES que trabalharam o 7.º Barómetro daquele Observatório, “os resultados da experiência destes três anos são claros: (i) os 6 mil milhões a menos que hoje temos no défice, conduziram a 7,5 mil milhões a menos no PIB, ou seja, por cada euro retirado ao défice, tirou-se 1,25 euros ao PIB; (ii) os 6 mil milhões a menos no défice significaram 52 mil milhões a mais na dívida pública, ou seja, por cada euro retirado ao défice, a dívida aumentou 8,67 euros”.

Os autores do Barómetro consideraram como dívida, a Dívida Direta do Estado. Nela estão somados os défices de 2011, 2012, 2013 (28 mil milhões); o dinheiro que o Estado pediu para meter na Banca; os 8 a 10 mil milhões de euros mantidos em reserva, que o governo poderá vir a utilizar.

Está claro que as políticas seguidas não nos conduzem à resolução dos problemas. Mas o governo e os seus mandantes da troica insistem na repetição da experiência, continuando a aldrabice, “agora é que vai dar resultados”, iludindo o povo com a promessa mentirosa de que os sacrifícios feitos não podem ser deitados fora. Nos OE dos três anos anteriores constata-se sempre a existência de desvios muito significativos entre as previsões para a receita e a despesa e os seus resultados finais. Por outro lado, observa-se uma subavaliação sistemática do impacto recessivo das medidas adotadas. Mas a análise feita naquele Barómetro alerta-nos para outras duas constatações muito importantes.

Primeira, os efeitos da austeridade e da recessão são cumulativos. Políticas de austeridade sucessivas vão eliminando e/ou degradando as capacidades dos cidadãos, das famílias, das empresas e do próprio Estado, resultando daí que, cortes adicionais mesmo inferiores a outros já efetuados, podem criar graves situações de rutura. É isto que provavelmente vai acontecer com o OE de 2014.

Segunda, quanto mais prolongada a recessão, a duração do desemprego, a emigração forçada e a ausência de condições para garantir investimento público e privado, mais difícil se torna a recuperação futura.

Esta destruição duradoura é também a marca mais relevante do chamado programa de “Reforma do Estado”, apresentado por Paulo Portas.

Só um mestre na arte da dissimulação e da charlatanice “de Estado”, de vender gato por lebre, podia apresentar aquele cardápio de banalidades neoliberais como “Guião para a Reforma do Estado”. Tal documento, de coerência tem a orientação ideológica: conservadora, de retrocesso social e civilizacional.

É preciso desconstruir esta encenação. O governo há muito tem em marcha uma profunda alteração dos meios, capacidades e funções do Estado, das prioridades e destinatários das políticas públicas, da estrutura e funções da Administração Pública.

Os cortes financeiros brutais feitos em múltiplas áreas – ensino, saúde, direitos sociais, instituição militar –, o despedimento de milhares de trabalhadores, constituem uma via prática eficaz para impor alterações profundas.
O documento, ao mesmo tempo que “garante” não haver intenção de alterar a conceção do Estado procura, inclusive através de exemplos pontuais a serem seguidos no ensino e noutras áreas, consolidar aquela “reforma” em curso, acelerar a desestruturação do Estado Social. E articular esses objetivos com uma revisão constitucional que subverta o Estado de Direito Democrático.


 


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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