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26-10-2013        Jornal de Notícias

Como vai ficar registada na História a revelação de documentos ultrassecretos da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América (EUA) feita por Edward Snowden? A espionagem, nas suas mais diversas expressões, é uma velha atividade em regra bastante suja. Não é fácil detetar nas práticas individuais e coletivas do processo valores éticos, morais ou de relevância humanista. Mas, ao longo da História observam-se atos de espionagem que estiveram na origem de grandes transformações da sociedade e/ou que fixaram sentidos na mudança de poderes. Snowden não nos trouxe propriamente uma descoberta, mas despertou atenções que podem vir a ser importantes.

Primeiro, a aldeia global está bem pior do que a aldeia real. Na aldeia global, os especialistas da coisa conseguem ter um ouvido e um olho dentro de cada casa ou no telemóvel de cada cidadão, enquanto na aldeia real as fontes se situavam em coscuvilhices e na ação de "bufos" que municiavam os especialistas. Na mudança de era que estamos a viver, a Internet é uma tecnologia que foi apropriada por um poder que brinca hoje, perigosamente, com a vida dos seres humanos, sem sujeição a qualquer escrutínio popular e democrático.

Segundo, os EUA - que ainda se sentem como senhores todo-poderosos da aldeia global - usufruindo da concentração dos comandos da Internet, optaram por utilizar os avanços tecnológicos pela via mais ignóbil da "inovação" social, o assassinato da liberdade e da democracia.

Terceiro, fica provado até à exaustão que o liberalismo dominante só não controla os movimentos de capitais e especulativos porque não quer. Prefere usar as tecnologias para facilitar o roubo e a exploração sem limites e para aprisionar as pessoas.

Quarto, como sabemos, a chamada crise financeira mundial que eclodiu em 2007/2008 teve a sua origem nos EUA e não teria sido exportada, em tão forte dose e tão eficazmente, para a Europa como foi, sem os colossais meios informáticos que aquele país manipula.

Como denunciou em discurso corajoso Dilma Rousseff, presidenta do Brasil, no passado dia 24 de setembro, na abertura da 68.ª Assembleia-geral da ONU (com Barack Obama presente), os EUA andam, de forma inqualificável, a espionar governos de países catalogados de irmãos e amigos, a apropriar-se de informações empresariais de alto valor económico e estratégico, a manipular, sem escrúpulos, dados pessoais de milhões e milhões de seres humanos.

No Reino Unido, o irmão mais próximo, os serviços secretos britânicos colaboram na operação contra o seu povo. Na França, em 30 dias, espiolharam, em absoluta ilegalidade, mais de 70 milhões de dados telefónicos de franceses. Na Alemanha, a prática é a mesma e parece que nem a sr.ª Merkel escapa. Agora surgem notícias sobre a Espanha e, por certo, a situação será idêntica na generalidade dos países europeus. Nós, portugueses, dificilmente saberemos o que de facto se passa connosco, pois somos governados por subservientes e traidores políticos, que optarão sempre por credibilizar o poder externo, em desfavor dos direitos e interesses do povo e do país.

Por que é que a "Europa" é colocada nesta situação vergonhosa? Será que podemos e conseguiremos sair deste atoleiro? Os países da União Europeia, no seu conjunto e cada um, estão dependentes e submetidos. Estão absolutamente ensanduichados entre os EUA, potência que está a perder poder económico e político, e a força dos países emergentes.

A "Europa" integrou-se na dinâmica da globalização neoliberal, nunca se quis afirmar como polo alternativo - objetivo que entretanto se tornou desadequado - e hoje é arrastada pelo grande irmão no seu estrebuchar. Foi por isso que a cabeça do neoliberalismo se instalou no espaço europeu nos últimos anos. Para atacar o modelo social europeu e um significativo quadro de direitos sociais e políticos vale tudo.

Só uma perspetiva nova de respeito pelos povos, por valores de universalismo e solidariedade assentes numa estratégia séria de cooperação, desde logo entre os países europeus, mas também com países e povos de todas as latitudes, poderá salvar-nos. Iremos a tempo?


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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