Leonarda Dibrani tem 15 anos. Nasceu e foi criada em Itália, filha do kosovar Resat e da siciliana Djemilah. São ciganos. Fugiram de Itália para França em 2009, quando Berlusconi, em campanha eleitoral, ameaçou publicamente deportar todos os ciganos do país e mostrou total complacência com ataques incendiários contra os acampamentos ciganos.
Os Dibrani tinham pedido sete vezes a Paris para os deixarem ficar em solo francês. Sete vezes lhes foi respondido que não por serem imigrantes ilegais. No passado dia 9, o autocarro da visita de estudo da turma escolar de Leonarda foi mandado parar pela polícia e Leonarda foi deportada horas depois para Mitrovica, no Kosovo, para onde haviam sido enviados no dia anterior os seus pais e cinco dos seus sete irmãos, entre os 17 meses e os 17 anos. Vive desde então numa casa que partilha com kosovares expulsos da União Europeia, numa cidade dividida entre sérvios, albaneses, romenos, ashkali e egípcios.
Em Leonarda cruzam-se duas histórias. A primeira é a história dos ciganos – 10 milhões, hoje na Europa – uma história de expulsões e perseguições, desde os Reis Católicos a Hitler, mas também uma história de integração quando houve a lucidez de adotar políticas de inclusão social e económica. A segunda é a história da Europa, em que a proclamação da liberdade, da igualdade e da fraternidade dentro de fronteiras foi de mão dada com o esclavagismo nas colónias e em que a apologia dos direitos humanos para o mundo vai de mão dada com o racismo larvar e com a xenofobia cada vez mais oficial.
François Hollande é o rosto dessa Europa que faz de Leonarda uma apátrida. Sim, Hollande não está sozinho nesta decisão absurda: 89% dos votantes na direita apoiam-na e 68% dos eleitores socialistas também. A sociedade francesa, acossada pelo desemprego e pelo horizonte da estagnação económica, e que paga agora a cumplicidade do seu Governo com a apropriação da construção europeia pela lógica punitiva da austeridade, dá mostras de recear enfrentar os poderes fortes que alimentam a crise e de ter como alvos os elos mais fracos da cadeia. Daí à xenofobia vai um passo.
Que Marine Le Pen cavalgue essa onda de impotência nacional e de degradação dos horizontes sociais e económicos em França não causa espanto. A extrema-direita alimenta-se desse medo nacional difuso, que vai dos ricos aos pobres, e que Le Pen associa ao “outro” (o árabe, o africano, o cigano, a Europa, …) dando-lhe como resposta “a França para os franceses”. Repito: que a extrema-direita assuma esta posição não surpreende, está-lhe na massa do sangue. Mas não foi nenhum militante da Frente Nacional que, relativamente aos ciganos que vivem em França, afirmou “a sua cultura é muito diferente da nossa. Não se querem integrar. A única solução é devolvê-los aos seus países” – foi Manuel Valls, filho de emigrantes e ministro do interior do governo de Hollande. Que um governo socialista, na senda do que havia feito Sarkozy, faça sua a retórica e a conceção social de Le Pen é algo politicamente muito grave. Justamente porque é algo que está cada vez mais na massa do sangue de muitos governos socialistas nesta Europa.
A banalização das teses da extrema-direita deve muito à sua adoção pelos conservadores e pelos socialistas. Na ânsia de conterem a sua sangria eleitoral provocada pela sua responsabilidade nas políticas de austeridade e de abdicação de um projeto europeu de dignidade e de contrato social avançado, uns e outros usam a estigmatização violenta dos estrangeiros pobres como dispositivo de compensação. Uma família cigana imigrante ilegal é certamente mais fácil de combater do que um fundo de investimento que arrasa salários e pensões na bolsa. Mas enfrentar com determinação essa dificuldade é a escolha que faz a diferença entre a direita e a esquerda.