As manifestações convocadas pela CGTP-IN para o próximo dia 19 de outubro são de grande oportunidade e os locais escolhidos para os seus percursos – a ponte 25 de Abril em Lisboa e a ponte do Infante no Porto –, apesar de suscitarem argumentos contraditórios quanto à sua utilização, e de colocarem aos organizadores e a muitos manifestantes fortes desafios, até pela extensão do percurso, têm um enorme e importante simbolismo no contexto que marca a nossa vida coletiva.
O tempo e o propósito destas “Marchas por Abril, contra a Exploração e o Empobrecimento” são oportunos. É preciso que os trabalhadores e os cidadãos em geral se manifestem contra a injustiça e a violência das políticas que lhes têm sido impostas; denunciem e combatam o novo pacote de austeridade já cozinhado; defendam a democracia e a soberania de Portugal; mobilizem os portugueses para a construção da necessária mudança.
Sem dúvida que uma grande massa humana a percorrer a ponte 25 de Abril a pé obriga, em primeiro lugar os organizadores da manifestação, mas também a todas as entidades envolvidas na segurança da ponte e na segurança pública, a medidas de precaução especiais. A opção tem de ser pela resolução responsável desses desafios, nunca pela sua instrumentalização a favor de uma decisão política – as posições dos governos são sempre políticas – de tentativa de impedimento da manifestação.
As manifestações organizadas pela CGTP-IN realizaram-se sempre com segurança e a sua direção já se comprometeu a tudo fazer para que o mesmo aconteça nesta, tendo forçado a realização de reuniões com vista à ultrapassagem dos problemas. O governo apenas deve incentivar o diálogo com as forças de segurança para que a manifestação corra bem.
Na sociedade atual as ameaças de “atentados terroristas” ou de eclosões de violência, infelizmente, são tão relevantes em manifestações de cidadãos como em provas desportivas – lembremo-nos do que ainda a 15 de abril deste ano aconteceu em Boston. O governo não pode brincar com “argumentos técnicos” fazendo deles pretexto para decisões políticas inaceitáveis. Isso só espevita radicalismos e perigos futuros.
Estas manifestações serão expressões de alerta e de luta contra o sofrimento, as incertezas, as armadilhas, os perigos, os medos e a solidão que aprisionam a esmagadora maioria dos portugueses em resultado dos impactos das políticas impostas ao país. Estes são os verdadeiros riscos. Face a eles, outros sacrifícios e riscos, são incomparavelmente menores.
A perspetiva de grandes manifestações entre as duas margens dos dois maiores polos urbanos do país incomoda inevitavelmente o governo, bem como representantes de perspetivas e interesses que estão acomodados. Também pode não agradar a quem fica à espera que tudo se resolva por milagre. Mas, nós não vivemos um tempo normal. O país está a ser afundado. Coloquemos de lado comodismos e posturas de “respeitinho” face a um poder que não respeita o povo. Em defesa da democracia há tempos a exigirem o exercício do direito à indignação com expressões fortes.
Temos de ousar percorrer pontes para chegarmos à margem que nos propicie futuro. Com o povo, e em seu benefício, é urgente saber construir pontes, caminhos alternativos que nos possibilitem sair da borrasca que nos está a destruir.
O povo português viveu décadas de contas certinhas à custa de muita miséria, de ausência de liberdades, de inexistência de direitos ao ensino, à saúde, a proteção social dignas. Já vivemos tempos de muita “caridade” mas de ausência de cidadania social. Não voltemos atrás.
Quando o Primeiro-ministro, submetido pela sua pequenez e incultura, pela sua subserviência a interesses egoístas e a uma crença neoliberal demolidora nos diz, como se só houvesse um caminho, “se eu falhar será o país que falha”, responsabilizemo-lo pelo mal que está a causar, lembremos-lhe que conhecemos o caminho salazarento e retrógrado e forcemos a afirmação de alternativas.
Dia 19 é preciso manifestarmo-nos nas pontes. E por pontes com sentido de progresso.