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06-09-2013        Diário de Notícias

Preparar uma avaliação em conjunto com os avaliadores é no mínimo estranho. Adeptos da meritocracia como critério único da ascensão na vida, Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque não cometeriam por certo a incoerência suprema de protagonizarem um périplo pelos gabinetes dos credores para lhes pedir que considerassem como êxitos ancorados no conhecimento esforçado da realidade o que realmente são fracassos produzidos pela negligência ou pela teimosia irracional. Jamais! A um meritocrata que se preza repugna qualquer operação de relações públicas que distorça os resultados da ação humana.

Não sendo pois para seduzir a troika para a mentira de um sucesso que é afinal um fracasso, para que serve então o périplo de Paulo Portas e de Maria Luís Albuquerque? Desde logo para mostrar que, com Passos Coelho em campanha eleitoral, quem manda no Governo é Paulo Portas, figurando Maria Luís como a técnica de apoio ao político. Mas, mais que isso, a deliberação de só tornar públicos os resultados da oitava e nona avaliações depois das eleições autárquicas põe luz no mistério: fracasso é mesmo e só fracasso e Portas e Albuquerque estão já a negociar as consequências desse fracasso. Ou seja, os autores e os executantes da mais errada das políticas estão a preparar a estratégia de salvação desesperada da face de uns e de outros.

Passos Coelho fixou o sentido da coisa ao antecipar, na sua diatribe anti-democrática contra o Tribunal Constitucional, a inevitabilidade de um segundo resgate – isto é, da extensão e radicalização, seja qual for a sua forma, da política de austeridade. Uma dívida que não para de subir em percentagem do produto, somada com uma economia que não para de encurtar às mãos da purga de salários e pensões e de investimento qualificador dos equipamentos e bens públicos, torna impossível a respiração autónoma da economia nacional. O discurso da “retoma da soberania”, agora no top da retórica do PSD e do CDS, proferido por governantes que não cessam de tomar decisões que hipotecam sempre mais a nossa capacidade de sermos mais autónomos, é apenas mentira. A irracional estupidez do primeiro resgate tornou inevitável um segundo. E sendo este irracionalmente estúpido, o terceiro, e depois o quarto e o quinto, fixar-se-ão no horizonte, tão inevitáveis como qualquer dos anteriores e sempre mais severos do que eles.

São os ingredientes e a intensidade dessa irracionalidade e a maneira de a fazer passar na opinião pública portuguesa que Portas e Albuquerque estão a negociar em Bruxelas, em Frankfurt e em Washington. A recomendação por parte do FMI de um corte adicional de salários foi já uma primeira peça dessa negociação. E os cenários de prazos mais dilatados, cumpridos isoladamente, não significarão senão austeridade por mais tempo.
A intransigência fundamentalista da troika é certamente a única coisa que Portas e Albuquerque trarão deste tour. Sabem-no. Usá-la-ão politicamente à chegada. Para desculparem o Governo e ensaiarem a legitimação de um orçamento arrasador. E para regressarem, com Cavaco, à pressão sobre o PS e sobre os parceiros sociais para que o que falhou há um mês se concretize então: um pacto para-constitucional de carga de cavalaria sobre o que resta de direitos sociais e de serviços públicos. Veremos se Seguro aceitará em outubro o que foi obrigado a rejeitar em julho, se escolhe a pose de ‘sentido de Estado’ junto de Cavaco, Passos e Portas ou a defesa difícil mas corajosa de uma alternativa que tem a democracia constitucional como programa e um governo de esquerda como referência mobilizadora. 


 
 
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José Manuel Pureza



 
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