A generalidade dos portugueses reconhecerá que no trio da governação a que temos direito - Cavaco Silva, Passos Coelho e Paulo Portas - Portas é o que melhor encena o papel de estadista. Portas, sempre populista, hábil, evoluiu de "Paulinho das feiras" para pretenso defensor de causas sociais, para guardião dos reformados e da justiça fiscal. Agora já se sente à vontade para vestir o fato de cidadão exemplar que nasceu marcado para servir o povo e para defender o "interesse nacional".
O seu pronunciamento, no passado dia 5 é prova inequívoca de tal constatação. Importa, entretanto, refletir sobre os significados presentes e futuros do seu discurso à estadista.
É claro que esse discurso revela, antes do mais, o ponto a que chegou o processo de desagregação do Governo
Mas Portas parece querer recolher os cacos e tirar dividendos eleitorais dessa mesma desagregação. Ele sabe que faz parte de um Governo de submissão ao ocupante, um Governo que nega a democracia e a soberania do país, um Governo com um primeiro-ministro (PM) sem dimensão política, sem credibilidade, porque atolado em contradições e mentiras. Ele sabe também que o PM é um ator político de secundaríssimo nível, mas fidelíssimo aos interesses dos credores e agiotas, europeus e nacionais, que nos exploram e que jamais um PM de um Governo de ocupação foi um estadista, nem sequer pode tentar parecê-lo. Prontifica-se portanto a exercer ele esse papel.
Portas sabe também que o presidente da República (PR) há muito vendeu a alma ao diabo e o deixa à vontade para estas encenações, para este cavalgar sobre a pobreza, o desemprego e as desgraças que manietam a vontade e a ação de milhões de portugueses.
Se o PR cumprisse a sua missão, se fosse, como devia ser, um estadista de facto, não permitiria estas palhaçadas, não credibilizaria as mentiras com que procuram esconder os efeitos desastrosos da austeridade, não aceitaria o achincalhamento vergonhoso do Tribunal Constitucional que pode vir a ser ferido de morte. Um PR à altura dos acontecimentos defenderia a soberania de Portugal e a Constituição da República, a honra e os interesses do povo que lhe deu mandato. Há muito teria demitido este Governo. Aliás, a cobertura que vem dando a um Governo que perdeu a confiança dos eleitores e a legitimidade democrática está a conduzir a que se torne "normal" uma governação autoritária, de afrontamento às leis, onde ministros, secretários de Estado e seus ajudantes se portam como pequenos ditadores na ação política do dia a dia.
Paulo Portas e o seu PP são tão responsáveis pelas políticas de desastre, pelo recorde do desemprego, pela recessão, pela pobreza como Passos Coelho e o PSD. Ele faz piruetas perante a brutal dose de desemprego e de desvalorização do trabalho na Administração Pública, mas aplaude (apoiado por Pires de Lima e C.ª) a harmonização no retrocesso que significa o aumento do horário de trabalho, o corte nos salários e nos direitos dos trabalhadores.
Portas e o seu PP jamais defenderam o Estado social, sempre lutaram por uma mísera proteção social restringida aos ultracarenciados, aliás, o seu ministro da área é um dos principais construtores do Estado assistencialista. Portas ficou chocado com a hipótese de a idade da reforma poder ser fixada nos 67 anos, mas bate palmas a que seja estabelecida nos 66, acompanhada de alterações no processo de acesso e de cálculo do seu valor, que podem ser ainda mais graves que a fixação simples nos 67.
O "estadista" Portas fez um exercício de lavagem de mãos face a um Governo que ele sabe que o povo português há muito condenou, tenta ganhar espaço e preparar-se para continuar a servir o "interesse nacional", ou seja, a manter-se no poder para jogar influências, alimentar compadrios e troca de interesses entre os senhores escolhidos pela força suprema do sistema, para gerirem os negócios económicos e políticos do país.
Como é possível que algumas destacadas figuras do Partido Socialista andem por aí a credibilizar Portas e o seu CDS-PP como intérpretes de um verdadeiro programa democrata-cristão?
A coisa só se compreende porque a social-democracia destas personalidades do PS está há muito submetida ao neoliberalismo.
Mas este é assunto para analisar noutro momento.