Na conferência evocativa dos 125 anos do JN, realizada na Universidade do Minho em fevereiro passado, fui desafiado a abordar o tema "Que Estado estamos dispostos a pagar?", a que contrapus uma reflexão sobre "Que desigualdades e injustiças podemos suportar?", tomando o Estado Social como importante alicerce do desenvolvimento da sociedade, num projeto político alternativo à irracional e violenta austeridade que destrói e desqualifica o emprego e a economia, que nos conduz a um empobrecimento galopante.
Quando fazemos um exercício de memória histórica sobre o percurso do que comummente se designa Estado social, observamos que ele se desenvolveu com objetivos sociais, significou sempre uma escolha política sobre o tipo de sociedade adotado, foi utilizado para impulsionar o desenvolvimento económico, ajudou de forma determinante a dar conteúdo ao conceito de cidadania, constituiu um fator decisivo para a densidade da democracia e até credibilizou o exercício da política.
Desde os argumentos de Bismarck até aos objetivos hoje assumidos pelos chamados países emergentes, vemos que o Estado social jamais foi formulado como mera decorrência de um patamar de desenvolvimento económico elevado, embora, como é natural, a maior amplitude e eficácia do Estado social também tenha relação com contextos económicos favoráveis.
No final da II Guerra Mundial, um ministro inglês expressou a propósito das prioridades políticas a seguir pela Inglaterra: "se fomos capazes de vencer a guerra, temos de ser capazes de construir um Estado social". Que desafios se colocavam então? Exatamente dar resposta a dramas sociais e humanos, reconstruir atividades económicas, impulsionar o desenvolvimento, credibilizar o Estado e a política.
A experiência portuguesa pós-25 de Abril confirma o Estado social como importante escolha política e social que rompeu com dependências opressivas, que qualificou a sociedade portuguesa a ritmos e dimensões incomparáveis, face a outros períodos da nossa história, que foi fator de coesão e igualdade e de afirmação de amplos direitos e deveres laborais e democráticos! E também nos demonstrou que quanto mais pobre e desigual é uma sociedade menos liberdade existe e mais difícil se torna mobilizar e responsabilizar os cidadãos, na ação pública e na construção dos rumos coletivos de progresso.
O Estado tem de ser social em contraposição a um Estado capturado e posto ao serviço de grandes interesses económicos e financeiros nacionais, multinacionais ou internacionais, de negócios predadores de swaps, de PPP, de escuros bancos de negócios, de tubarões que se alimentam do compadrio e promiscuidade entre interesses públicos e privados.
Em Portugal é dramático e cínico vermos o empobrecimento forçado a servir de justificação para destruir o Estado social. Há que travar esta ofensiva do Governo e da troika, aplaudida pelo presidente da República.
A discussão sobre o Estado social tem de se desenvolver a partir de três dimensões que se articulam: afirmar o Estado social para garantir o Estado democrático; definir prioridades e orientações da economia que potenciem as nossas capacidades e recursos e tornem o Estado social alicerce do desenvolvimento; fundamentar patamares essenciais do Estado social que temos, para projetar o Estado social que queremos e de que precisamos.
São cinco os pilares fundamentais a tratar: 1. o Serviço Nacional de Saúde com acesso geral e universal; 2.º o sistema de Segurança Social; 3. a Escola Pública e laica; 4. a regulamentação do trabalho sustentada no Direito do Trabalho, nas normas da OIT e na contratação coletiva; 5.º as infraestruturas básicas que sustentem uma vida digna das populações.
É neste amplo contexto que se saúda a conferência "Vencer a Crise com o Estado Social e com a Democracia", a 11 de maio, no Fórum Lisboa, convocada pelo Congresso Democrático das Alternativas. A atualidade e a qualidade dos temas propostos serão, seguramente, um bom contributo para a construção de políticas alternativas que urgem.
O Estado também é social pela participação e mobilização dos cidadãos.