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26-01-2013        Jornal de Notícias

Portugal “foi aos mercados”. Significa isto que foi pedir dinheiro emprestado e o obteve. Dinheiro emprestado para quê? Não, não é para salários e pensões, nem para repor aos trabalhadores e pensionistas o que lhes foi retirado. Não é dinheiro para evitar os cortes na educação, na saúde ou na proteção social. Não é dinheiro para investir, nem para criar emprego. É dinheiro para amortizar dívida, substituir dívida velha por dívida nova e a juros mais elevados do que a anterior. Quanto daquele dinheiro vai chegar à economia real? Nenhum.

Na realidade, o regresso aos mercados pode ser visto como o primeiro passo de um segundo resgate. O BCE anunciou que estaria disposto a comprar dívida dos países resgatados que regressassem aos mercados; porque não assumiu estas opções desde o início da crise evitando o seu aprofundamento, os duros custos sociais e económicos e o retrocesso das sociedades? Exatamente porque quis assegurar que os países resgatados se comprometessem com novas medidas de austeridade e “ajustamento estrutural”, isto é, com a continuação das políticas da troika para além da vigência do Memorando.

O BCE é atualmente a mais poderosa expressão do processo de financeirização e é o governo, de facto, da Europa. Independente do controle político dos Estados e governos, o BCE adquiriu um poder quase absoluto sobre eles. Primeiro, tratou de sujeitar os Estados ao seu programa político de destruição do Estado Social. Agora, com as dívidas dos países como garante da escravidão, toma medidas para garantir que os escravos possam continuar a servir a dívida.

Considerando importante ter Portugal na montra dos “bons alunos”, o BCE sentiu o governo a fragilizar-se e apressou-se a dar uma ajudazita. No entanto, a ida aos mercados não significa a recuperação da soberania, mas antes a continuação da dependência por outros meios. 

Com esta operação, Portugal não ficou a dever menos e não se livrou da austeridade e do empobrecimento. Não há, nem se prefigura, qualquer alteração de rumo nas políticas que nos conduziram ao buraco, antes pelo contrário. Não há razão para celebrar, mas o governo utilizará o pretenso êxito para credibilizar as suas opções desastrosas e aumentar os sacrifícios.

À euforia do regresso aos mercados contrapõe-se o sofrimento dos trabalhadores e do povo. Isto pode significar uma tragédia social e económica, também porque o cenário europeu em nada se perspetiva de positivo. O FMI e outras entidades fazem previsões negativas para a Europa. O Primeiro-ministro inglês acrescenta nuvens negras ao futuro da União Europeia (UE).

A espiral recessiva da economia continuará a acentuar-se. O poder de compra dos portugueses a cair e milhares de pequenas empresas a encerrarem. O desemprego continuará a agravar-se. A pobreza, as desigualdades a aprofundarem-se e os salários a degradarem-se.

O ataque ao Estado Social está a acelerar com as cartilhas encomendadas a mercenários do FMI, como o Sr. Carlos Mulas agora denunciado em Espanha como burlão. Entretanto, o verdadeiro resgate, o resgate dos bancos continua: o BCE financia-os a baixo custo, com esse financiamento eles compram títulos de dívida pública remunerados com juros elevados e nós pagamos a diferença. Bancos que teriam falido se não fossem as ajudas públicas continuarão nas mãos dos proprietários e gestores que os levaram à ruína e nos arruinaram.

A estratégia dominante em Portugal e na UE é a de subjugar os povos, impondo múltiplas medidas a ritmos acelerados, debaixo de manipulações constantes para os sufocar.

A extensão dos prazos de amortização da dívida pode ser considerada elemento de renegociação mas o que se exige é muito, muito mais.

A denúncia do Memorando, a negociação com todos os credores, incluindo a Comunidade Europeia, o BCE e o FMI, tendo no cerne dessa negociação a reestruturação da dívida, são indispensáveis. É preciso derrogar parte dos tratados europeus, submeter ao poder político efetivo o BCE e reconfigurá-lo nos seus objetivos e papéis, pôr de lado o chamado Pacto Orçamental.

Em Portugal continua a ser urgente uma alternativa política que afirme a democracia e a soberania, o estado de direito democrático, o desenvolvimento e a justiça social. 

 


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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