O ensino superior é, frequentemente, objeto de múltiplas ideias. As últimas décadas ilustram-no bem. Ideias sobre as formas de governação, com participação de entidades externas (os chamados ‘stakeholders’, no linguajar de modas efémeras, com grande carga ideológica, embora travestidas de ciência indiscutível). Ideias importadas de um mundo que julga que tudo na sociedade tem que ser decalque de modelos empresariais, sugerindo-se a “competitividade” ou a empresarialização das universidades. Ideias sobre o chamado sentido prático das aprendizagens, pressupondo-se que “saber muito atrapalha” e que, por isso, se deve saber apenas aquilo que é ditado por necessidades “reais”.
Muitas destas ideias são tributárias de outra, segundo a qual o mundo se deve organizar na base da prevalência e defesa intransigente de interesses próprios e da valorização de recursos específicos, sendo nossa obrigação chegar primeiro que os outros e agir até contra os outros, para assim alcançarmos os (nossos) melhores objetivos. É também frequente que se entenda que as instituições são, afinal, tecnologias que devem ser “afinadas” como máquinas ou instrumentos para que funcionem de acordo com as regras da “economia”. Eu sou economista e acho que a “economia” não é o que essas visões supõem e que, pelo contrário, uma boa cultura económica nos mostra que o mundo é bastante mais complexo e que as relações entre os diversos aspetos da organização coletiva não podem ser vistos por lentes estreitas.
Por isso, a ideia que apresento não dá grande atenção a questões de gestão ou governação universitária (de há mais de 30 anos para cá, esse nunca foi problema relevante), não propõe nenhuma solução milagrosa de “competitividade” e não assume que existe um mundo real indiscutível ao qual nos devemos submeter. Ao invés, acho que o desígnio da universidade é o de ser uma instituição com autonomia filosófica face ao mundo que a rodeia. Isso deve levar, em tempos como os de hoje, a que assuma a crise civilizacional que vivemos e desempenhe um papel refundador da sociedade e das suas capacidades, reforçando o seu papel crítico; a que refaça a sua condição de comunidade de saberes e competências ativa, pluralista e emancipadora; a que recuse as visões meramente instrumentais do saber e da instituição universitária, reduzindo-se a uma organização que apenas assegure a sobrevivência; a que seja uma comunidade de trabalho inclusiva que fomente a participação e a democracia, rejeite os autoritarismos burocráticos e as visões centralistas; a que se abra à sociedade de forma plural e culta a serviço das qualificações, da dignidade e da criação de bemestar coletivo.
Estes pontos resumem-se numa ideia: a de que a universidade seja uma universidade livre, se necessário o último reduto da liberdade, aquele que nos capacite para construir um futuro quando todos os outros meios o possam ter posto em causa. Que seja, afinal, a condição da nossa sobrevivência com dignidade, com capacidades e com saberes. Eu presumo que não há futuro possível sem isto. Se não for a universidade a assegurá-lo outra instituição o há de ser, em vez dela...