Não me canso de repetir que o trabalho foi, é e será central na economia e na sociedade. Essa condição tem exigências imperiosas. Primeiro, são indispensáveis compromissos coletivos que garantam a atribuição de um valor justo ao salário, em resultado do trabalho prestado. O respeito por este princípio é fator crucial de justiça social e de cidadania. O salário não deve ser substituído por rendimentos resultantes de políticas fiscais, de subsídios ocasionais ou de retribuições complementares.
Segundo, existe, e continua a projetar-se para o futuro, uma relação profunda entre o trabalho, o emprego e a proteção social. Os direitos sociais e o Estado social esboroar-se-ão se o trabalho e o emprego não forem valorizados. Os rendimentos indiretos mais importantes para os trabalhadores e suas famílias emanam da existência de direitos universais e solidários na saúde, no ensino, na segurança social, na justiça e, também, na habitação e nas mobilidades.
Terceiro, o trabalho, enquanto atividade dos seres humanos que se reconhecem iguais entre si em direitos e deveres (princípio basilar para se tratarem todas as diferenças) dignifica os indivíduos. Contudo, o neoliberalismo tenta convencer as pessoas de que ganham estatuto social desvalorizando a sua condição de trabalhador e há quem, peado nas suas opções, se negue a si próprio. Se perguntamos a uma criança o que quer ser quando for grande, ela responde identificando uma profissão que idealiza importante. Assim continuarão as respostas, com velhas e novas profissões.
Dispomo-nos a acreditar que as “máquinas”, corporizando ferramentas do digital, da robotização, da inteligência artificial, substituirão todo o trabalho humano, e que não surgem novas atividades e profissões? Que não é preciso salário porque os Musk deste planeta nos vão garantir um rendimento base incondicional? Que os bens e serviços de que os seres humanos precisam se obtêm na especulação financeira, com a nova profissão de jogador na net? Que as atividades humanas do futuro serão influencer, ou profissionais da obtenção de dinheiro com a ignorância dos outros?
Na minha tese de doutoramento coloquei ênfase em nove componentes que situam a centralidade do trabalho. Na sétima assumo que “o trabalho (em certas condições) pode tornar-se fonte de alienação”, nomeadamente económica e ideológico/política.
Aí afirmei que no “modo de produção capitalista” em que vivemos, “muitos trabalhadores encontram no trabalho um espaço de realização e partilha”, em resultado de conquistas alcançadas, designadamente quadros de direitos e deveres institucionalizados. Mas, para uma parte significativa das pessoas, “laborando com velhas ou novas tecnologias”, o seu trabalho “tolhe horizontes de vida” e até embrutece.
O mundo está a mudar, não necessariamente para melhor. Abordaremos o agravamento da alienação, na próxima crónica, em todas as componentes da centralidade do trabalho.