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21-10-2024        Público

As emoções e as narrativas sempre foram centrais na política. A sua análise conjunta permite compreender em maior profundidade a campanha presidencial de 2024 nos EUA para além do populismo e antipopulismo. Proponho as “narrativas das emoções” como abordagem para aprofundar as dimensões racionais e afetivas do discurso político de Trump e Harris. Trata-se de analisar os discursos de acordo com a identificação sociopolítica e focar nas emoções coletivas de longo prazo, aquelas que as pessoas (re)têm para além do que acontece no momento ao nível individual. Seguindo o pensamento da filósofa Sara Ahmed, sabemos que as emoções coletivas são mais do que construções discursivas e estão igualmente relacionadas com objetos sociais, como grupos sociais, estatuto social ou nacional, família, género, religiosidade, etc. A narrativa da emoção identifica estes objetos e define as emoções a partir das ameaças aos quais estão expostos e ao que se pretende fazer para os proteger.

A narrativa das emoções de Trump promove a primazia dos EUA como nação, defende o sucesso e a segurança individual e apresenta-se como o líder heróico e necessário para recuperar a excecionalidade estadunidense. Os migrantes são considerados uma ameaça ao bem-estar e segurança de pessoas norte-americanas, provocando assim medo e raiva, bem como repulsa por serem frequentemente retratados como criminosos e usurpadores do ideal americano. Definida como incompetente, a administração democrata compromete a primazia dos EUA e o bem-estar social. Além disso, é acusada de fomentar o ódio e a polarização social por desqualificar Trump enquanto antidemocrático. O sucesso Americano é também ameaçado pela inflação que produz medo, raiva e indignação pelo declínio da qualidade de vida e do prestígio americanos. São necessárias ações de reversão audazes como explorar, sem preocupações ambientais, os recursos naturais do país. O ideal MAGA procura produzir amor, orgulho e a confiança. Trump personifica este ideal enquanto líder forte, corajoso e dotado de talento pessoal que transcende as instituições e os procedimentos jurídicos e democráticos. Projeta-se como decisor ousado em matéria de securitização das fronteiras, protecionismo económico, redução de impostos e exploração de petróleo. Na política internacional opera por relações pessoais ‘convenientes’ com líderes autoritários. O imaginário político prometido por Trump assenta, então, em noções e ideais paternalistas e excludentes que facilmente resvalam para a xenofobia e racismo.

Já Harris defende a prosperidade do povo americano, caracterizado por ideais de diversidade e primado pela lei. Harris projeta-se como mulher descendente de migrantes, de classe média e que se fez a si própria (por oposição ao privilegiado e rico Trump), chegando a ser uma obstinada e severa procuradora-geral. Enquanto candidata à presidência norte-americana, gera amor, esperança e respeito, construindo-se como uma líder competente e motivada em conduzir forças coletivas. Promove orgulhosamente a comunidade nacional regulada por processos democráticos orientados para a dignidade e valores. Defende os direitos reprodutivos assim como os interesses da classe média e trabalhadora. Embora a sua narrativa indique uma abordagem aberta à diversidade, afirma igualmente a necessidade de proteger as fronteiras e de reparar o sistema de migração “danificado”. Tal como Trump, defende o direito ao porte de armas e pretende defender o domínio geopolítico e económico dos EUA, considerada a maior das nações. A ansiedade e raiva por Trump descrito como um líder egoísta dirigido pelos interesses de grandes interesses económicos é contrabalançada pela diplomacia determinada e destemida.

A análise revela que em Trump, o medo visa o Outro (migrante, potência estrangeira, administração incompetente), enquanto em Harris, a ansiedade generalizada emana de um futuro de sucumbência do país à extrema-direita personificada por Trump. Trump apoia a proteção através da força agressiva, Harris através do uso destemido da lei. Trump mostra uma decisão personalizada e corajosa, Harris mostra uma determinação informada e destemida. Trump aponta para o sucesso, Harris para a prosperidade. Ambos operacionalizam o senso comum como fator de proximidade com as pessoas, Trump personificando o coletivo, Harris como líder do trabalho coletivo. Enquanto Trump se refere mais frequentemente a ameaças, Harris privilegia falar de projeções relacionadas com a prosperidade. Como resultado, há uma prevalência de emoções negativas para Trump, enquanto Harris mobiliza principalmente emoções positivas, mas as emoções mobilizadas são semelhantes. Para Trump e Harris a América tem de ser defendida interna e externamente das suas ameaças. Onde diferem é nas narrações das identidades e objetos sociais, definindo assim o impacto das emoções. Diferem também na forma como definem as ameaças e como projetam a proteção necessária. Isso mostra que narrativas e emoções são relevantes para compreender não apenas fenómenos populistas, mas a política no seu conjunto.


 
 
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Cristiano Gianolla



 
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