No cíclico confronto eleitoralista entre a capacidade de fazer e a capacidade de agradar, a cidade tem a excecional qualidade de se afirmar como laboratório perfeito. O receio de que as ações e as obras não agradem desperta, na maior parte das vezes, um conjunto de fantasmas.
Perante o assomo desses receios, é então necessário tomar medidas que, normalmente, radicam na necessidade imediata e obsessiva de debates, consultas, referendos, mediatização de opiniões, votações em linha, auscultações públicas decretadas, auscultações públicas informais, enfim, uma parafernália de iniciativas que, de modo excessivamente burocrático, por vezes infocrático, visam mais a simulação mediática da participação pública do que o esclarecimento cabal, a informação rigorosa e o consequente debate.
São decisões políticas que ganham o estatuto de batata quente, que é necessário passar a alguém, corresponsabilizando esse alguém pela ação, no caso de dar para o torto.
Por um lado, correspondem a tomadas de posição inseguras acerca de problemáticas sociais complexas e contraditórias, ou acerca de investimentos na cidade ou no território. Raramente se referem, por exemplo, às verbas a orçamentar para a saúde, ou para a educação. Por outro lado, no que toca à arquitetura, e mais especificamente, no que toca a Portugal, essas tentativas de simular a partilha de decisão dizem sempre respeito a projetos de exceção, a programas dedicados à cultura, a intervenções estruturantes e complexas.
Mas nunca se referem à grande mole de intervenções medíocres e rasteiras que, quotidianamente, dá forma ao espaço das cidades e do território em geral.
Associados a estas práticas de decisão política estão também alguns conceitos usados e abusados pela difusão mediática, nem sempre do modo mais esclarecedor. Pelo que diz respeito aos objectivos da ação política são muito comuns as alusões à participação e à cidadania, ao património, ao ambiente e à sustentabilidade. Tomados isoladamente ou em conjunto, estes conceitos esbatem-se no frenesim mediático a que estão sujeitos e, pior que isso, degeneram frequentemente em equívocos e pressupostos apriorísticos que deformam a sua essência de base.
Vem esta introdução a propósito de uma consulta informal que a Câmara de Coimbra está a lançar aos munícipes acerca do uso de um produto altamente tóxico, o glifosato, para o controle da vegetação infestante que cobre, por vezes de modo perturbador, os passeios e as sargetas das artérias menos usadas.
Deixo, a este propósito, duas considerações apenas.
Em primeiro lugar, os termos da consulta deixam-nos unicamente duas hipóteses, ou o/a inquirido/a prefere que se utilize o glifosato, tornando-se assim cúmplice de um problema gravíssimo, possibilidade de envenenamento de animais domésticos e enquinamento dos fluxos drenados, em última instância, até ao rio; ou o/a inquirido/a prefere tolerar algumas ervas, que pode ser um eufemismo para ficar impedido de transitar no meio do matagal, sei do que falo, pois moro num local que frequentemente padece deste problema. Isto não me parece ser uma consulta, é uma batata quente, uma decisão difícil que se passa aos munícipes. Há, de certeza outras possibilidades, e já não falo por essa Europa fora, falo em Portugal, há imensas cidades onde não se veem os passeios e as sargetas a serem tomados pelas ervas.
Em segundo lugar, a razão pela qual, logo que cai uma chuvinha, os passeios se transformam num matagal é que as ruas estão vazias: falta gente na cidade, faltam habitações, falta reabilitar as casas que estão devolutas e construir mais. É urgente ampliar e diversificar a oferta habitacional para baixar o preço especulativo e evitar os loteamentos suburbanos extensivos, predadores dos espaços naturais que ainda sobrevivem, numa região que alberga uma das três florestas mais poluentes da Europa.
Mas não. Em vez disso, aquilo a que assistimos é a uma espécie de populismo ambientalista, à ridícula e ufana ocupação de todo e qualquer lote urbano sobrante com mais “espaços verdes”, que depois o município não consegue sustentar. Continuamos a apontar armas para o umbigo da cidade e a esquecer que a defesa da Natureza passa também, e essencialmente, pela densificação equilibrada nos espaços urbanos centrais.
Enquanto assim for, enquanto o problema da ecologia urbana não for encarado de frente, o que passa por se assumir a inaceitável obsolescência dos atuais instrumentos de planeamento, vamos nós, os munícipes, continuar a queimar as mãos com mais batatas quentes, seja qual for o executivo.