Em Portugal, os procedimentos adotados pelos gestores da coisa pública pecam sistematicamente por falta de reflexão estratégica e ausência de planeamento. Imperam soluções de recurso; a colocação de “reposteiros” para limitar perceções; os improvisos levianos; as listas infindáveis de “novas medidas” para impressionar os cidadãos; a subjugação a grandes interesses nacionais ou estrangeiros. As decisões são apresentadas como boas a partir da crença absoluta nas “leis do mercado” e pelo seguidismo, acrítico, das políticas da União Europeia.
As propostas do Governo nas áreas da Saúde e do Ensino, ou a privatização da TAP e os negócios com a Vinci Airports, apresentam-nos um país que funciona como loja de conveniência. O produto em promoção é sempre o mercado ao serviço do cliente. Franchising com estrangeiros que nos aldrabam é uma opção de organização muito apreciada. E os serviços da loja podem prolongar o horário até à 25.ª hora.
A opção pela falta de reflexão estratégica pode constituir, em si mesma, uma estratégia. Decisões avulso despertam menor atenção das pessoas, todavia, com um empurrãozito daqui e outro dali, vão mudando a natureza das políticas e das estruturas que as aplicam.
Na Saúde, há muito se constata que faltam médicos para o funcionamento de todas as necessárias unidades de saúde familiar (USF). Não houve planeamento adequado na formação e no recrutamento, não há investimento suficiente em recursos financeiros, humanos e técnicos. Agora o Governo propõe a criação de USF nos setores privado e social. Só porque a coisa vai ser feita fora do SNS, pressupõe-se o milagre da multiplicação dos médicos. E haverá dinheiro para pagar às entidades que criarem as USF - mais do que se pagaria no SNS. É mais um empurrãozito a juntar aos muitos que vêm de trás, que empobrece o SNS, mas engorda o setor privado.
Na abertura do ano letivo temos a repetição crónica da falta de professores. A situação deste ano é pior que a do ano passado: mais alunos vão iniciar o ano sem um ou mais professores, designadamente em disciplinas essenciais. As colocações a grande distância do local de residência continuam, e perante a falta geral de professores o Governo inventa professores sem as qualificações necessárias. O abaixamento da qualidade da escola pública é um maná para o setor privado (com subsídios reforçados), que se vangloria de ser mais procurado.
A privatização da TAP, em 2015, feita nas últimas horas de vida do Governo de Passos Coelho, é um escândalo. Esse processo, mais o vergonhoso contrato blindado estabelecido com a Vinci Airports, dona da Ana Aeroportos, são exemplos de que parece haver quem, a partir de cargos públicos, tenha conveniência em esbulhar o Estado.
Precisamos de uma sociedade crítica e exigente, de instituições que funcionem, de escrutínio implacável, mas distanciado da cultura da calúnia.