O início da década de 1990, com Collor de Mello no governo, foi marcado por uma espécie de terror que assolou a tudo, a todos. Sob o efeito causado pelo confisco da poupança, a quebra de contratos, o congelamento de preços etc., o espectro da desilusão tomou conta do país.
Este era o cenário presente na realização do Plano Real. Em 1993, Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, liderava uma equipe responsável pela criação de um novo plano de ação capaz de enfrentar as mazelas estruturais e resgatar o equilíbrio crescimento econômico/desenvolvimento social sem sucumbir ao canto da sereia inflacionária.
O casamento - entre o equilíbrio fiscal e a restrição orçamentária - daria o tom do recital estabilizador. O objetivo era fugir aos malfadados choques heterodoxos anteriores e retomar uma linha teórico-metodológica mais condizente com os ditames do "novo liberalismo" propagado em Washington. Dito isto, vale ressaltar que um dos perigos iminentes a dúbia condução do processo estabilizador é impedir que se reconheça a mudança de fundo pela superficial aparência da cor da água, podendo dissimular ao condutor do processo uma aproximação inadvertida de difícil desencalhe e retomada de percurso.
É o que constatamos após a primeira fase do plano - uma instigante reformulação nos alicerces econômicos com a introdução da URV como novo indexador (atrelada à variação cambial do dólar) - que obteve uma exitosa redução do índice inflacionário (4% a.a) e a criação de uma nova moeda. No entanto, o abuso na aplicação deste trade-off econômico fez com que o governo somente substituísse o problema inflacionário por outro de dimensões mais severas: o desequilíbrio externo e a dificuldade inerente de retomar o crescimento.
Por exemplo, as ineficientes estratégias de correção do câmbio, associadas a propostas de incentivo à exportação, provaram ser apenas medidas efêmeras suplantadas pelo difícil controle dos déficits em conta corrente acumulados no período. Consoante Batista Jr., “aumentaram os pagamentos de juros e as remessas de lucros e dividendos, o que tornou mais difícil o controle do déficit em conta corrente. Além disso, boa parte dos passivos externos acumulados eram obrigações de curto prazo ou voláteis” (“A economia como ela é...”, 2002, p. 128).
Isto sem olvidar a preeminência de uma oligarquia que historicamente impõe ao Estado um direcionamento de metas e objetivos que legitimam interesses de classes que impedem o real desenvolvimento.
Passados trinta anos, a efeméride do Real suscita uma questão que nos remete aos tempos do “Encilhamento” de Ruy Barbosa: como romper com os grilhões da austeridade/dependência e, deste modo, realizar outro Brasil possível?