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14-06-2024        A Tarde [BR]

A temporada musical, leia-se concertos sinfônicos e operísticos, está em grande nos palcos do Velho Continente. Entre inúmeras ofertas, desde a ida aos palcos mais consagrados (Royal Opera House; Filarmônica de Paris; Teatro alla Scala; Filarmônica de Berlim; Palau de les Arts Reina Sofia etc.) até à visita em paralaxe (realizada nas salas de cinema), uma certeza: prevalece o belo na interpretação da condição humana - mesmo sob perigo constante, iminente da barbárie.
Neste contexto, gostava de resgatar uma figura singular: Leos Janacek (1854/1928). Organista, educador e compositor checo, trouxe para o teatro musical a prosa como forma narrativa do romance moderno. Vale elucidar que entendemos o romance, tal como expresso por Milan Kundera (em “Os Testamentos Traídos”, 1997), não apenas um gênero literário, mas, sobretudo, uma manifestação da arte que apreende na conjugação do lírico e do dramático a formatação épica de nossas vidas.

Portanto, a arte moderna assume, nas partituras e livretos de Janacek, o compromisso com a beleza presente no cotidiano, na vida das gentes, dos comuns. O que podemos constatar nas nove óperas do autor que são uma contraposição ao estilo irrealista e estilizado que caracterizava o cenário artístico dos séculos XVIII e princípios do XIX.

“Jenufa”, por exemplo, uma das óperas mais executadas na última década (ver em https://www.operabase.com/works/en), na sua primeira performance em Praga (1916) foi encoberta por um denso véu de desconhecimento sobre a relevância do concreto do tempo presente para desvelar a simplicidade da vida em sua complexidade. A verdade, a morte de um recém-nascido - não no decorrer do parto, mas da desesperada atitude da madastra de Jenufa, Kostelnicka, que afoga o filho ilegítimo na intenção de protegê-la das convenções sociais da época e punitivas para mães fora do casamento - é velada na ambiguidade de todas as certezas.

O último ato de “Jenufa”, longe da apoteose prevista pela tradição operística proeminente nas obras de Ígor Stravinski (1882/1971) ou Arnold Schönberg (1874/1951), compõe aquele momento em que, no lapso melódico da linguagem (incluindo a corporal), a platéia conseguiria compreender o efêmero da verdade e ter certeza que a beleza é, ao mesmo tempo, aterrorizante e fascinante.

Leo Janacek, mais do que um observador atento da natureza humana, cultivava a paixão pela linguagem em melodias expressas pelas distintas pessoas. Uma fonte inesgotável de inspiração criativa - ao abarcar a imortalidade do ser, “O Caso Makropulos” (1923), a independência em “A balada de Blaník” (1920), até o refutar do progresso nas vozes de “Taras Bulba” (1918) - desde que revelem a verdade melódica da arte, da vida.


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
temas
música    sociedade    natureza humana