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12-06-2024        As Beiras

No passado dia 20 de Fevereiro, teve lugar no Centro de Convenções e Convento de S. Francisco a iniciativa Que Rumo para a Justiça em Coimbra? O Novo campus de Justiça. Foi mais um reforço da pressão que o executivo municipal, e em especial o Presidente da Câmara, tem vindo a fazer nos últimos anos, em boa hora e sempre com o apoio da Universidade, da CIM de Coimbra e das instituições judiciais da cidade e da região. Sabemos que a aspiração é antiga, tem cerca de seis décadas, sempre com altos e baixos, a verdade é que tem recrudescido nos últimos anos. Mas a essa pressão acresce ainda uma outra, a da instalação em Coimbra de organismos judiciais de carácter central e regional, nomeadamente o Tribunal Constitucional e o Tribunal Central e Administrativo do Centro, que, aparentemente, o anterior governo tinha previsto sedear em Castelo Branco.

A este propósito, não há muito mais a dizer, pelo menos como novidade. Sabe-se ainda que, em Outubro do ano transato, a comunicação social já tinha anunciado a cabimentação orçamental de um investimento de cerca de 17 milhões de euros para a construção do novo Palácio da Justiça, ao longo dos próximos quatro anos. O Presidente da Relação e o próprio Presidente da Câmara regozijaram-se publicamente.

A carência de espaços dedicados à Justiça em Coimbra é gritante. A dissipação dos equipamentos por diversos locais da cidade afeta, em simultâneo e com igual gravidade, o Erário e a imagem da Justiça perante os/as cidadãos/ãs. O Ministério da Justiça arrenda espaços casuísticos e desqualificados, muito longe do mínimo de dignidade que a atividade judicial nos deve merecer. Por esses arrendamentos, em cada ano que passa, despende mais de 800 mil euros.

É, pois, urgente iniciar o processo de construção e instalação do novo Palácio de Justiça no terreno que a Câmara lhe destinou há já muito tempo.

Mas voltando ao debate Que Rumo para a Justiça em Coimbra? É inegável que teve múltiplas vantagens. Por um lado, como já foi dito, reforçou essa vaga reivindicativa local, que tantas vezes se vê tolhida do seu potencial efetivo, devido a cumplicidades e impedimentos atávicos, sobretudo quando o poder central é da mesma família política do poder local. Por outro lado, e numa atitude infelizmente pouco comum, juntou e fortaleceu a unidade entre as diversas instituições da cidade: o Município, a Universidade, A CIM Região de Coimbra e os diversos organismos judiciais, Comarca, Relação, Procuradoria, etc. Finalmente, e pelo que diz respeito à Universidade, serviu para difundir o conhecimento, prestando também um inestimável serviço à comunidade, quer através da Faculdade de Direito, a prestigiada escola jurídica que teve alguns dos seus professores a apresentar o problema e a comentar as soluções, quer através do Departamento de Arquitetura, que veio também apresentar soluções urbanas e arquitetónicas para o local e para o programa em causa, consumadas ao longo de quatro semestres de trabalho de projeto, de índole académica.

Estiveram então presentes muitos cidadãos e muitas cidadãs, a quem o tema despertava um inegável interesse. Mas mais ainda, o encontro foi tacitamente agendado para um período pré-eleitoral, faltavam apenas duas semanas e meia para as eleições legislativas de 10 de Março e participaram no debate todos/as os/as cabeças de lista pelo círculo eleitoral de Coimbra, ou seja, dali sairia seguramente alguém com responsabilidades parlamentares. Todas/os sem exceção afirmaram o seu apoio à construção do novo Palácio de Justiça.

As eleições tiveram lugar e os resultados foram aqueles que todos/as nós temos conhecimento. Há um mês atrás, a Senhora Ministra da Justiça, uma das cabeças de lista presentes no referido debate, proferiu publicamente algumas declarações acerca da construção do novo Palácio, reafirmou o seu compromisso, deixando também a ideia que, através da resolução do Conselho de Ministros de Outubro do ano passado, a atribuição orçamental dos 17 milhões estaria, afinal, dependente da alienação de património...

O antigo colégio quinhentista de São Tomás de Aquino foi reformado em 1895, pela mão do Arquiteto Augusto Silva Pinto, para residência dos Condes do Ameal e, posteriormente, em 1932, adequado pela DGEMN às suas funções atuais de Palácio da Justiça. Desde então e até meados da década de 1960, foi cumprindo o seu papel com grande dignidade. Mesmo nos dias de hoje, em que foi literalmente levado à exaustão, nunca se deixou desfigurar significativamente pela saturação, nem pela desadequação funcional. Esperemos não ter agora de o vender em hasta pública para angariar dinheiro e construir o novo Palácio da Justiça ao lado, até porque, dada a relativa exiguidade do terreno disponível, esse novo palácio tem de ser complementar do antigo, sob pena de jamais resolvermos cabalmente o problema.

Agora mais a sério, depois de sessenta anos de espera é necessário, é do mais elementar direito que as condições para a construção do novo Palácio da Justiça de Coimbra sejam claras e transparentes. Afinal de contas, o governo socialista anterior cabimentou ou não cabimentou os já célebres 17 milhões? Podemos ficar descansados, como ficámos aquando do debate de Fevereiro? Ou vamos ter mais surpresas a juntar a todas aquelas que ocorreram ao longo das últimas seis décadas?

Sinceramente, não consigo imaginar nenhuma razão para não estarmos otimistas. A não ser que se arranje nova localização e se descubram algumas “vantagens estratégicas” em continuar a arrendar escritórios e apartamentos espalhados pela cidade. Mas mesmo isso já aconteceu no passado, se bem me recordo. Enfim, ao longo de sessenta anos, tudo o que poderia ter acontecido, já aconteceu. É muito difícil pensar em alguma coisa neste processo que não tenha já acontecido antes, por isso, por falta de imaginação confessa, estamos compelidos a ser otimistas.

Mas as declarações da Senhora Ministra da Justiça já foram há cerca de um mês atrás e, num processo como este, o silêncio pode ser ensurdecedor. O Presidente da Câmara voltou a quebrá-lo — agora numa circunstância inusitada, o 10 de Junho na Sala dos Capelos — perante as mais proeminentes figuras do Estado, incluindo o Primeiro Ministro. Compete agora ao Governo quebrá-lo decisivamente e dissipar os nossos mais que justificados receios.


 
 
pessoas
José António Bandeirinha



 
temas
justiça    cidadania    Coimbra