A exclamação «Não Passarão!» remonta à Batalha de Verdun, ocorrida em 1916, pronunciada então pelo general francês Robert Nivelle. Mais tarde, durante a Guerra Civil Espanhola, foi usada entre 1936 e 1939, durante a defesa de Madrid, pela dirigente comunista Dolores Ibárruri, «La Pasionaria», inspirada num cartaz republicano de Ramón Puyol. Destinava-se a mobilizar a resistência contra a insurreição militar destinada a derrubar a República, da qual viriam a resultar, após mais de meio milhão de mortos e o triplo de feridos e prisioneiros, a vitória do franquismo e quatro décadas de feroz ditadura. A partir dessa altura, o lema passou a exprimir por toda a parte e em todas as línguas a determinação de resistir aos fascismos e a quem deles partilhe metas e métodos.
Porquê invocar esta tradição ancorada na memória para falar das Eleições Europeias que entre 6 e 9 de junho mobilizarão mais de 360 milhões de eleitores? O motivo principal é a previsão, fundada em sondagens e notícias, de que, no Parlamento que delas resultará, dezenas de partidos associados aos grupos políticos da direita e da extrema-direita – o Partido Popular Europeu, o dos Reformistas e Conservadores, e o Identidade e Democracia – irão ter acentuado crescimento, passando a formar uma maioria confortável oposta ao Socialista, ao dos Verdes e ao da Esquerda em geral. O que, na prática, configurará um recuo dos ideais europeístas, democráticos, solidários e multiculturais, e um avanço dos setores populistas, nacionalistas e xenófobos, reconfigurando a Europa do progresso e da liberdade que tantos anos e sacrifícios levou a erguer.
A ideia de uma Europa-fortaleza caminha entre estes setores a par e passo dos ideais soberanistas, concebendo o nosso continente como espaço privilegiado, assente no equilíbrio formal entre nações que reduzem ao mínimo as relações de interdependência e insistindo numa ideia de desenvolvimento que se funda no universo dos negócios, da finança e da exploração do trabalho. Regredindo na história, faz também retornar um visão civilizacional fortemente eurocêntrica, que tende a rejeitar culturas, etnias, línguas e religiões originárias de outras paragens, a sul do Mediterrâneo ou a Leste dos Urais. Não como complemento associado à diversidade humana e à plena integração, mas como ameaça que deve ser contida pela força da lei, dos muros ou das armas.
Esta perspetiva fechada tende a encarar a invasão da Ucrânia ou o conflito palestino-israelita como problemas a resolver, sem dúvida, mas considerados exteriores a uma política europeia comum, assim deixando campo aberto para quem neles intervém a partir do exterior de uma forma agressiva e imperial, como a Rússia ou os EUA. Tende também a subavaliar a necessidade urgente de resolver os gravíssimos problemas relacionados com as alterações ambientais, para as quais defendem apenas cuidados paliativos, ou o afluxo de refugiados, em parte também a elas ligado, que querem resolver com severas restrições à circulação de pessoas e desumanos procedimentos de expulsão, não com a gradual integração e uma legalização ajustada.
Importa, nestas eleições, que quem vota perceba que a sua escolha, num Parlamento Europeu polarizado, implica posicionar-se face a modelos antagónicos de organização da sociedade e de futuro, dentro de um continente ao mesmo tempo único e diverso. O lema, cunhado pelo general Franco quando entrou finalmente numa Madrid exangue e em ruínas, pondo termo à legalidade democrática e republicana e inaugurando uma Espanha fundada na desigualdade e na vingança, foi uma resposta contrária à consigna antifascista atrás lembrada: aqui um cruel «Passámos!». Os democratas não devem deixar que os que em parte herdam o seu projeto passem a decidir as políticas da União Europeia, marcando o futuro comum com o ferro da iniquidade. Não podemos, por isso, pensar que as eleições do dia 9 têm escassa importância ou não nos dizem respeito.