Publicado pela primeira vez em 1985, “A obsolescência do ódio”, de Günther Anders, é um livro crucial. Simples em sua densidade temática, o autor alemão consegue capturar toda nossa atenção e angústia com relação ao devir da humanidade frente a universalidade da Guerra.
Imbuído de uma prosa romântica característica de seu tempo no Mundo (não como gênero literário, mas como possibilidade existêncial), o filósofo desnuda a transformação do sujeito histórico em objeto passível de desuso. Ação que, frente ao desenvolvimento científico/tecnológico voltado à valorização irrestrita do capital, pode conduzir ao extermínio de grupos dito irrelevantes.
Isto porque, na sociedade produtora de mercadorias, são considerados humanos apenas aqueles que estão inseridos no processo de produção, circulação e consumo. Logo, os sentimentos são gradativamente substituídos por um estado constante de torpor ou indiferença com relação ao estado das coisas quando todos são, também, considerados coisas.
Na primeira fase deste processo, as guerras, inicialmente travadas no corpo a corpo, eram alimentadas pelo ódio induzido. Uma forma de dominação em que as pessoas eram brutalizadas até o ponto de não lhes ser permitido saber porque estavam a lutar contra outras pessoas nomeadas como inimigas. O campo de batalha, deste modo, consagrava a dualidade motivacional do odiar o Outro na criação de valor por conquista territorial.
Sem a injeção do ódio - racial, étnico, geracional, territorial e de gênero - não haveria confiança nos supostos combatentes. Entrave suplantado com o emprego de novas tecnologias no arsenal bélico que, além de encurtarem as distâncias, tornam os campos de batalha irrelevantes e o ódio supérfluo.
A guerra na Ucrânia é um bom exemplo, em dois anos de intensos combates, a utilização de drones está a redesenhar o conflito. Militares russos e ucranianos remotamente operam seus instrumentos de/para morte como se estivessem em suas próprias casas, no conforto dos joysticks, a brincar aos “jogos de guerra”.
Com uma grande novidade: as atividades agora são realizadas sem o conhecimento real do objetivo e os próprios soldados tornam-se trabalhadores contratados para executar uma missão. Tudo em nome da empregabilidade, da inserção no Mercado.
Nos “Tempos Modernos”, expõe Anders, paira no ar uma nostalgia daquelas lides conduzidas por pessoas capazes de odiar. A inovação tecnológica, direcionada às novas guerras de ordenamento mundial, não possuí essa aptidão emocional. Apenas executa com maior eficiência o jogo da morte e precipita o fim da espécie humana.
Assim, se não há o sentimento de ódio, para que falar de amor? Esse reconhecimento, no Outro, da nossa própria humanidade.