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18-05-2024        As Beiras

Existe um alarme global associado aos últimos desenvolvimentos do conflito palestiniano-israelita e às suas ondas de choque. Longe da inquietação ou da indignação sentida pelos que, sobretudo na Europa ou nos Estados Unidos, no conforto das suas vidas, dele colhem apenas o eco, os povos da região, muitos israelitas, mas em particular a população civil de Gaza, têm vivido de forma dramática esta nova fase de violência generalizada. Começou a 7 de outubro de 2023 com o ataque infame do movimento islamita Hamas sobre populações civis de Israel, prosseguindo com as brutais represálias do governo de Benjamin Netanyahu, lançadas em escala absolutamente desproporcionada e destinadas a reduzir ainda mais as áreas sob controlo palestiniano.

Tudo começou pelos finais do século XIX com a expansão do movimento sionista voltado para um regresso dos judeus à «terra prometida» em conflito com poderes instalados na região. Este foi muito agravado em 1948 nas circunstâncias de uma independência de Israel tão historicamente justa quanto produtora de tragédias e injustiças, tendo depois as guerras dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kippur, em 1973, ocasionado uma expansão territorial associada à redução dos direitos da população árabe da Palestina. A extensão e a continuidade do confronto, hoje já com perto de oito décadas, com momentos de impasse ou de guerra aberta intercalados com escassos períodos de paz – como após o acordo de Camp David, em 1978, e o de Oslo, assinado em 1993 por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat – combina múltiplos aspetos, aqui associados a três pares de conceitos.

O primeiro par envolve o Território e os Povos. Situa-se aqui o núcleo do conflito, que inclui antagonismos determinados por diferentes graus de autonomia territorial dentro da grande Palestina histórica – que incluía territórios hoje controlados por Israel, Líbano, Jordânia, Síria e Egito, além da Autoridade Palestiniana e do Hamas – e distintas identidades culturais entre as populações da região. Sendo verdade que os hebreus vivem na região desde cerca de 1200 antes da nossa era e que os árabes a conquistaram apenas no século VII, outros povos a foram povoando, todos partilhando traços genéticos, culturais e linguísticos que as políticas de conquista, a religião e a intervenção estrangeira foram separando. Neste contexto, a miscigenação entre povos, todos de origem semita, é uma condição que deveria excluir a supremacia de uns sobre outros.

O segundo par comporta o Sofrimento e o Ódio, impostos por quem fez tábua rasa dessa matriz multiétnica original, transformando o direito dos israelitas, religiosos ou laicos, a ter o seu próprio Estado, num fator de segregação e de exílio da população arabizada. Esta dura realidade tem ampliado a incompreensão que, de ambos os lados do conflito, se liga a um imenso rastro de sangue e de restrição dos direitos políticos e humanos, que apenas tem feito aumentar os fatores que estimulam o rancor e impossibilitam a paz. A radicalização de ambos os lados, apoiada em alguns Estados árabes, em particular o Irão, e em movimentos armados como o Hamas e o Hezbollah, e no caso de Israel acelerada com os avanços do militarismo dos «falcões», da extrema-direita e dos setores ultraortodoxos supremacistas, tem alimentado esta triste realidade.

O terceiro e último par de conceitos refere os problemas impostos pelos combates pela Paz e pela Esperança. Neste contexto, é perniciosa, além de totalmente irrealista, a palavra de ordem dos que, sobretudo a Ocidente, têm bradado por uma Palestina independente «do rio até ao mar», isto é, desdobrada do Jordão ao Mar Mediterrâneo, escorraçando os judeus e condenando-os de novo à errância. Em última análise, e ao invés, a paz entre Israel e Palestina exigirá sempre uma disposição real de ambas as partes para, através da solução de dois Estados pacíficos, a única equitativa e justa, superar diferenças, compartilhar territórios e construir um futuro convivência e de cooperação. Principiando sempre este esforço, como sugeriu Amos Oz, por imaginar os anseios de quem se considera inimigo.

Por isso, defender o fim da política de genocídio sobre os palestinianos imposta por Netanyahu – e no curto prazo o termo da política de terra queimada sobre Gaza – não pode significar inverter o seu sentido, propondo-se substituir uma injustiça por outra não menor. Afirmou o escritor Amin Maalouf que em casos como este a solução passará sempre por domesticar a «besta identitária» que sempre lança uns contra outros, a todos destruindo pelo caminho. Não em alimentá-la, como de ambos os lados do conflito, seguindo uma ética da vingança, fazem os radicais e também aqueles que, na vizinhança ou a milhares de quilómetros, cegamente os aplaudem e auxiliam.


 
 
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Rui Bebiano



 
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