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18-04-2024        As Beiras

Esteve recentemente em apreciação a Requalificação Urbana do eixo Alta Universitária – Praça João Paulo II – Sereia, inserida na ARU (Área de Reabilitação Urbana) Universidade-Sereia. Trata-se de um plano desenvolvido nos serviços técnicos municipais que visa reabilitar o espaço público do antigo “Bairro de Santa Cruz” — Rua Alexandre Herculano, Rua Venâncio Rodrigues, Rua Oliveira Matos, Rua Castro Matoso, Rua de Tomar e Rua Almeida Garrett — bem como da Calçada Martim de Freitas, o Largo de D. Dinis, a Rua Larga e a Praça da Porta Férrea.

De um modo geral, os princípios básicos do projeto enquadram-se numa estratégia correta de prioridade à circulação pedonal e favorecimento da mobilidade sustentável. É de salientar, também neste âmbito, a corajosa aposta num futuro onde a utilização dos transportes em comum será com certeza preponderante. Assim, e de um modo geral, contém algumas premissas que são de louvar. A eliminação dos painéis publicitários que poluem os Arcos do Jardim é sem dúvida um deles. Oxalá a Universidade e a Associação Académica sigam esse exemplo e retirem a poluição visual das fachadas dos seus edifícios.

Contudo, e pelo que diz respeito à Alta, a proposta parte de um princípio que é, no mínimo, equívoco, o de tentar quebrar, ou disfarçar aquilo que considera “(…) um excesso de monumentalidade” no eixo Porta Férrea – Rua Larga – Praça D. Dinis – Escadas Monumentais. Ora, é necessário que se diga que o Plano da Alta da década de 1940, é parte integrante do património classificado pela UNESCO. Foi com certeza na altura um crime urbanístico, como tantos outros, mas hoje é o que temos. Quando muito, essa alegada monumentalidade excessiva deveria ser acentuada e enaltecida, nunca atenuada. São os espaços e os equipamentos urbanos desse plano, as praças; as ruas; as árvores; a arte pública; os candeeiros (agora tristemente a desaparecer e/ou a serem desmantelados); as escadas e os pavimentos que dão sentido a todo o restante património. É necessário proceder a uma revalorização do espaço público e dos edifícios? Sim, claro. É necessário perspetivar a realidade contemporânea? Sem dúvida. Mas sempre tendo como alvo a manutenção da legibilidade dos diversos traços caracteriais do seu passado, incluindo os do Estado Novo. Arriscaria mesmo, sobretudo os do Estado Novo, porque se trata provavelmente dos que convergem para um registo mais forte, ou, pelo menos, aqueles que, pela extensão, veiculam a legibilidade de todos os outros, dos da época romana aos do iluminismo.

Mas é aqui, neste ponto preciso, que entra a condição contemporânea. Depois do desastre de meados do século passado, a cidade refugia-se no âmago de um profundo traumatismo provocado pela demolição dos seus espaços centrais. A Universidade é a principal responsável-culpada por essa circunstância catastrófica. Choram-se as memórias da vida urbana, perdidas para sempre. Jorram torrentes de lamúrias sobre as ruínas que escaparam à devastação, as quais, de resto, são raras, fragmentárias e ilegíveis. Os colégios de Jesus, de S. Jerónimo e das Artes, o Laboratório pombalino, o aqueduto, um arco ultrapassado junto ao Museu… ruínas, ou quase ruínas, que permanecem mudas, com o seu quê de absurdo, durante cerca de oito décadas, erguendo-se como ditirambos funestos votados à sua própria decadência. Uma imensa e arrebatada ironia, se pensarmos nas origens e nos modelos dos anos 40 — de intenções tão antagónicas, procurando desesperadamente razões fortes de composição, ora na simetria, ora nas axialidades, ora na escala e na monumentalidade — tão voluntariosos na sua luta contra o decadentismo.

Hoje, o que há a fazer é um plano cuja principal premissa é a concertação entre a Universidade e o Município. Felizmente, há algumas razões para pensar que essas condições estão criadas. As bases desse plano já foram inclusivamente estabelecidas no concurso que teve lugar há cerca de vinte anos, cujo vencedor foi o Arquiteto Gonçalo Byrne. Esse plano vencedor deu origem aos projetos de requalificação do espaço público que hoje conformam a Rua Larga e a Praça da Porta Férrea. É só atualizá-los e estendê-los a outros espaços.
Deixo algumas sugestões, preocupações muito mais úteis, em meu entender, que quebrar a monumentalidade da Alta de meados do Século XX.

Reabilitar as Escadas Monumentais, que estão num estado muito preocupante de degradação; aproveitar o tratamento da Rua Castro Matoso, e da pequena praça que se quer fazer ao fundo das Escadas Monumentais e tratar também a Rua de Entre Muros, entre a Castro Matoso e a Padre António Vieira; e, finalmente, considerar a reabilitação profunda do Jardim da Sereia, que dá o nome à própria ARU. É um dos mais belos jardins urbanos da Europa, talvez do mundo. Está degradado e meio abandonado, necessita de um projeto paisagístico que reponha as árvores entretanto tombadas, que estude as suas espécies vegetais e as plante de novo, que torne os pavimentos mais amenos e acessíveis, que reabilite as estruturas edificadas do Século XVIII e que, eventualmente, lhe integre alguns equipamentos que possam atrair mais pessoas.


 
 
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José António Bandeirinha



 
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