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30-03-2024        Jornal de Notícias

As cenas de terça e quarta-feira na Assembleia da República (AR) evidenciaram o que a extrema-direita pretende. Infiltrar-se o mais possível nesse primordial órgão de soberania para, a partir dele, corroer os outros. Avacalhar o seu funcionamento e, por decorrência, o de todas as instituições do regime. Tudo é instrumental ao serviço de um desígnio: espalhar o caos, para justificar a reclamação da “ordem” e da “autoridade” antidemocrática e fascista.

No primeiro round, Ventura e seus pares podem ter atingido mais êxito do que parece. Eles sabem que qualquer democrata se sente incomodado, mas é conscientemente que entram em choque com o escrutínio e o compromisso democráticos, que mentem descaradamente, que substituem o argumento político pelo desrespeito e o insulto.

Nesta fase, o seu programa centra-se na montagem do circo feito de bagunça, de confusão, de atos de humilhação do outro. Sempre na expectativa de que as pessoas descontentes se deleitem com o espetáculo e o vejam como a vingança necessária. Não nos esqueçamos que a mentira para ser eficaz tem na sua formação alguma coisa de verdade e que hoje existem novos processos de produzir mentiras.

Interroguemo-nos, pois, sobre como aqueles que votaram no Chega interpretaram o espetáculo desta semana na AR. Se o que se tornou relevante no pensamento de algumas pessoas é que tem de haver alguém que “limpe” a sociedade e imponha a “ordem”, torna-se secundário, para elas, que a tarefa seja entregue a desordeiros.

É um erro alimentar-se o “bicho” na expectativa de que ele desista do ataque. Em nenhum espaço institucional é tolerável a impunidade face à violação de regras e princípios democráticos. Há que encontrar formas de se irem fazendo retratos sérios dos mentores do projeto. Além disso, as forças que se opõem ao avanço da extrema-direita e do fascismo têm de colocar os justos anseios e interesses das pessoas acima de todos os determinismos financeiros e outros, que imperam na nossa sociedade.

O PSD não quer assumir a natureza do Chega. Mesmo debaixo de uma provocação, não quis perceber que se trata de uma força “não confiável”. Como agirá no futuro próximo? E o presidente da AR e o conjunto dos deputados vão permitir que o insulto se torne prática corrente na vida da Assembleia?

Hoje, já conhecemos os(as) ministros(as) e as auréolas que os comentadores de serviço atribuem a cada um. A maioria fá-lo como se o PSD não tivesse um programa concreto para executar e passando por cima da identificação real da origem e interesses em que cada um(a) se tem movido até agora. Terça-feira, conhecer-se-á o Governo todo e rapidamente começaremos a ver para onde se orienta.

O PS deu um passo para se resolver um problema institucional e isso compreende-se. Contudo, não tinha de o fazer na forma de partilha de lugares, podia forçar saídas que evidenciassem preocupações diretas com a resolução dos problemas das pessoas.

À esquerda do PS, a vida não está fácil. As suas propostas para o imediato têm de ser ofensivas. Não pela mera repetição, mas sim por discurso e ação didáticas, e por contributos fortes para a organização e mobilização dos descontentamentos. São caminhos que exigem diálogo e participação de todos, mais que jogadas táticas.

Em Portugal, foi pela Revolução do 25 de Abril que chegamos à democracia. O povo português participou em massa, mas desde o primeiro dia houve quem se lhe opusesse. Alguns deles, ou seus herdeiros, ocupam hoje lugares relevantes nas instituições. Alguma coisa está fora do lugar.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva