Entre as inúmeras efémerides que compõem 2024, o jubileu do 25 de Abril em Portugal apresenta-se como iniqualável. Tanto pela forma, uma revolução na qual o vermelho esteve impresso na beleza dos cravos, quanto pela função democrática em respirar liberdade após um longo período sob as brumas do salazarismo.
Não obstante o clima festivo, os alertas de incêndio soam no ar tal como os fogos de artifício que iluminam o céu para consagrar a esperança ou o ressentimento. Negligenciar que o pathos totalitário representa a continuidade lógica do sistema de produção social do capital sob os auspícios da democracia de mercado é um equívoco histórico que traz sérias consequências para a humanidade.
As guerras de/para ordenamento mundial - em outras palavras, a estratégia irracional para tentar harmonizar a eleição democrática com a propensão para concentrar capital - são exemplos inquestionáveis. Basta verificar no passado recente a continuidade de conflitos baseados em decisões geopolíticas que ferem a autonomia dos Estados para salvaguardar o melhor posicionamento na exploração de recursos. Seja nos Balcãs, no Oriente Próximo, na América Latina ou em África. A guerra, paradoxalmente, tornou-se o meio para sobrepujar a solvência da política como instrumento para paz.
Entretanto, o resultado não é o desenvolvimento econômico global, mas uma crise estrutural sem limites do próprio capital que põe em xeque-mate as políticas públicas aventadas por Estados de cariz social. Normalmente, na triste figura de partidos de esquerda que, como Quixotes, perecem no embate secular contra os moinhos de vento - alegorias para o vendaval que devasta a realidade é deixa um rastro infinito de desemprego, violência e desesperança.
Por conseguinte, um terreno fértil para os apologistas do caos que, face aos infrutíferos esforços dos governos socialistas em estancar as veias abertas da barbárie, alimentam a opinião pública do adubo necessário para despertar o rancor e o descrédito ao mesmo tempo em que minimizam os perigos advindos do recrudescer do extremismo de direita.
Não partem, entretanto, de iniciativas em contraposição ao ideário liberal, tampouco fomentam uma democracia dissociada dos ditames populistas de mercado. Chega a ser óbvio, mas vale a ressalva, não defendem alterações programáticas nos fundamentos do sistema, mas, em total contradição, uma identidade nacional delirante frente a globalização da dependência econômico-financeira que estão sujeitos.
Se mudam os tempos, mas não mudam as vontades, parafraseando o cantautor José Mário Branco, celebrar o 25 de Abril é um ato de alerta àqueles que estão a morrer e para os que ainda não nasceram neste tempo em que vagueam monstros.