Um dos venenos que sustenta a extrema-direita populista, bem como os setores que com ela contemporizam, é o desprezo pelo argumento. Por cerca de dois séculos contados a partir das grandes transformações associadas à Revolução Francesa, ou por ela despertadas, a atividade política que alimentou os regimes liberais e democráticos serviu-se justamente desse meio como instrumento essencial do trabalho de disseminação entre os cidadãos das propostas de governo ou de transformação que lhe estavam na matriz. Não que durante todo esse tempo não existissem formas de persuasão que, para se afirmarem, apelavam de forma simplificada ao instinto e ao medo, sobretudo destinadas a mobilizar a população iletrada ou mais frágil, mas essa era a exceção, não a regra.
No essencial, o argumento servia para compor ou contrapor opiniões, através de um exercício, de natureza lógica e racional, que procurava formar, em conjunto com o desenvolvimento acelerado da escolarização, a opinião de quem o lia ou escutava. Nas décadas de 1920-1930, mesmo os vários fascismos, na sua fase de emergência e afirmação, recorreram a ela, esforçando-se por racionalizar o que consideravam ser os males das sociedades livres e do parlamentarismo, que procuraram desacreditar e destruir, ou então fundamentando as pulsões nacionalistas. Do lado oposto, processo similar foi ocorrendo com o marxismo e o ideal de socialismo, mesmo na sua versão estalinista, ao desenvolverem as suas propostas com recurso a argumentos situados dentro de uma interpretação determinista da História.
Os populismos contemporâneos estão a eliminar esse fator. Atuam sobre os desejos e os instintos dos cidadãos, não hesitando em servir-se de todos os meios para mentir e distorcer sem o menor pudor e sem qualquer esforço de racionalização das propostas cegas, embora sonoras, que adiantam. O grande problema não está, todavia, na estratégia em si, que no passado outras correntes também aplicaram, mas no elevado número de homens e mulheres que, na sua insciência ou inabilidade crítica, rejeita tudo o que seja uma explicação estruturada. Reside aqui a explicação do volume e da irredutibilidade dos apoiantes das propostas absurdas e agressivas de Trump, Bolsonaro ou Milei. Ou os daqueles que, agora entre nós, cegamente acreditam e se revêm nas frases curtas e perentórias de uma extrema-direita que pretende sobretudo apagar os legados de Abril.
Perante o público pouco exigente para o qual fala, esta não precisa explicar, detalhar, comprovar, mas apenas proclamar em alta voz, atuando sobre um bom número de consciências ao apelar fundamentalmente aos seus medos, desejos e ressentimentos. Porém, um perigo suplementar ocorre junto das correntes políticas e de opinião que se distanciam desse campo e procuram combatê-lo, defendendo inequivocamente a democracia e o Estado social. Ele tem lugar quando se servem de táticas análogas, simplificando a sua mensagem e centrando-a em slogans simplistas ou propostas sedutoras, sem um esforço de fundamentação lógica e uma estratégica percetível.
Não faz sentido os setores que combatem o populismo fazerem o seu trabalho recorrendo a um discurso que não possa ser apreendido de forma instantânea, o que seria suicídio político. A propaganda, para ser eficaz, precisa ser clara, objetiva e, nos dias que vivemos, com tantas falhas do referencial teórico e histórico, terá sempre de recorrer ao impacto imediato da imagem e à fluidez das redes sociais. Mas de modo algum pode dispensar programas substantivos e momentos dedicados a uma argumentação que apele à razão, elevando o cidadão acima da lógica do menor denominador comum. Tratá-lo como se fosse incapaz de apreender metas complexas e de mobilizar-se por elas, será cair no logro da direita populista. Como escreveu Camus em 1957, «o combate de ideias é sempre possível». É este, acrescento, que distingue os humanos dos brutos.