O filósofo Stuart Mill (1806/1873) acreditava que as utopias, apesar de irrealizáveis, são necessárias para animar o progresso humano. Eduardo Galeano, não obstante ciente de que a razão destituída de sentimentos nada mais é do que alimento processado - aparenta alimentar o corpo enquanto está a lubridiar a mente -, reforçou essa máxima ao instituir no horizonte utópico a alegoria emancipatória.
Consoante o escritor uruguaio, se a cada passo em busca do ideal libertário o devir se afasta dois, é necessário compreender as contradições e idiossincrasias que permeiam a sociedade produtora de mercadorias.
Na literatura, por exemplo, encontramos inúmeros alertas para tentarmos evitar tais antinomias. Desde os populares “Admirável Mundo Novo” (Aldous Huxley, 1932) e “Mil novecentos e oitenta e quatro” (George Orwell, 1949) aos quase desconhecidos “O tacão de ferro” (1908) e “Kallocaína” (1940) - em que Jack London e Karin Boye, respectivamente, desvelam em rubro as vestes da barbárie ao questionar as estruturas irracionais do poder totalitário.
Já na tela grande, filmes como “Dr. Strangelove” (1964) e “Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick, continuam a provocar inquietação coletiva com respeito ao futuro da humanidade. Em especial para as novas gerações - X, Y ou Millennials, Z, Baby Boomers e Alpha - que frente a ameaça nuclear iminente não encontram no horizonte próximo boas perspectivas para confrontar a realidade paradoxal do sistema vigente. Assim, sem memória do passado e ausentes de futuro, as relações sociais estão comprometidas no presente contínuo de uma cadeia de eventos que se sucedem como tragédia ou farsa de uma mesma história tragicômica.
No entanto, se adquirirmos consciência de que o “mal não é mais um império territorial, e sim um fenômeno interno da própria globalização econômico/financeira” (Robert Kurz) poderemos agir de forma refratária contra às regras do Mercado que, no nexo tempo/espaço reduz tudo ao aqui e agora absoluto.
Entre estar sentado em um míssil nuclear sem rédeas, como o apocalíptico e incomunicável Major King (Dr. Strangelove), ou finalmente despertar para maturidade da razão e, deste modo, superar as contradições humanas que degeneram na intensa barbárie, não tenho dúvida em optar - tal como o Alex da “Laranja Mecânica” de Anthony Burgess, não de Kubrick - para segunda, pois trata-se de um feixe de luz para salvaguardar o que nos resta da humanidade perdida.
Afinal, em um mundo em que os valores éticos são cada vez mais negligenciados, o perigo totalitário estará sempre à espreita para determinar que, na distopia das palavras, a utopia da esperança sejá apenas uma distração para o nosso parco vocabulário emancipatório.