Em mais de quatro décadas como professor universitário, insisti sempre num princípio de pedagogia que julgo fundamental. Referia-o logo no primeiro dia em todas as aulas e seminários: muito mais do que armazenar conhecimento, importa o desenvolvimento da capacidade crítica. Juntando logo que, ao contrário do proclamado pelo senso comum, criticar não significa «dizer mal», ou ser-se acintoso com alguém de quem discordamos, mas exprimir convictamente uma dúvida ou hipótese alternativa destinada a abrir perspetivas dinâmicas e a impedir que alguma teoria ou interpretação possa ser tomada como indiscutível e definitiva.
Por sua vez, o pensamento crítico integra a capacidade humana para questionar e compreender de forma racional, sempre em articulação com um panorama aberto e móvel do mundo, e não sob a forma de certeza ou de crença. Ele tende, todavia, a tomar o avanço do conhecimento como um processo de questionamento que não é caótico, mas antes, de acordo com o sociólogo John Clarke, «autodirigido, autodisciplinado, automonitorizado e autocorrigido», seguindo, por isso, uma metodologia. Além disso, o seu funcionamento não traduz uma reflexão pontual ou casuística, mas a construção de um corpo de conceitos e de interpretações que lhe alargam o impacto.
É ainda dotado de caraterísticas – questionador, plural, sistemático, analítico, persistente e constantemente renovado – que lhe conferem um valor particular. Todas convergem numa tendência que lhe dá uma substância particular, que consiste em produzir formas de compreensão e de enunciação do mundo contrárias à imutabilidade e à certeza, que questionam e abrem caminho à inovação, à mudança, ao aperfeiçoamento e à diversidade, sempre à luz de valores, atitudes e escolhas férteis e renovados tendencialmente progressistas. A escola da «teoria crítica», designada a partir de um ensaio-manifesto de Max Horkheimer, conduz mesmo esse processo a um enfrentamento do pensamento «tradicional», adquirindo um valor emancipatório.
Contrária à valorização da capacidade crítica é a experiência do proselitismo. Por meio do doutrinamento e da tentativa de conversão, procura impor formas de pensar pautadas pela rigidez e pelo dogmatismo, para as quais, quando a realidade muda, o problema é da realidade. Teve de início uma dimensão religiosa, associada à vontade de sobrepor uma fé a todas as outras. No entanto, nos séculos XIX e XX, com a expansão das ideologias, ganhou um perfil abertamente político, em particular quando encontrou os programas e experiências que produziram os grandes sistemas totalitários. Atualmente, o proselitismo está associado ainda a nichos hiperativos, fechados sobre si e profundamente inflexíveis, que, estando por vezes ligados a causas justas, necessárias e plurais, as interpretam de forma unívoca e sem quaisquer cedências, como acontece com os emergentes de algumas lutas de natureza étnica, feminista, ambientalista, antirracista ou LGBTQ+.
Estas três tendências do proselitismo coexistem nas sociedades contemporâneas e contestam as dinâmicas da crítica, mesmo quando formalmente se autodeclaram suas adeptas. No espetro político, perfilam-se de maneira extremada à direita e à esquerda, coincidindo, apesar das propostas formais antagónicas, em modos irredutíveis de ver o mundo e de propagar convicções, esforçando-se por intimidar e isolar quem, por pouco que seja, se lhes opõe ou delas diverge. Partilham a efetiva rejeição do diálogo e desenham um futuro de chumbo, onde o múltiplo seria substituído pelo uno e a liberdade individual pela sujeição. Devem, por este motivo, ser combatidos no território da cidadania.