Uma frase de Camus, deixada em 1945 no jornal clandestino da Resistência Combat, proclamava que «a paz é a única batalha que merece a pena ser travada». Exprimia um sentido de justiça e um imperativo ético cuja formulação permanece atual. Neste artigo ajuda a sublinhar a necessidade de um combate pela paz entre a Palestina e Israel, possível num quadro de equilíbrio apenas alcançável através da solução de dois Estados independentes, livres e cooperantes, recomendada desde 1974 pela ONU com base na divisão territorial anterior a 1967. Após oito décadas de conflito sangrento e traumático, da intensa presença de ódios instalados, de interferências externas potencialmente trágicas e do sofrimento dos povos, sobretudo do palestiniano, ela será sempre dificílima de obter; no entanto, as alternativas são piores.
A Palestina é um território amplo, ocupado ao longo de milénios por múltiplos povos, culturas, religiões e línguas, sucessivamente sujeito a situações de conquista, domínio e destruição, integrando hoje um Israel progressivamente alargado, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, além da Jordânia e de áreas do Líbano, Síria e Egipto. Quando da constituição do Estado de Israel em 1948, após um plano de partilha injusto, imposto do exterior, a região tinha passado já pela submissão a potências estrangeiras, sendo as últimas o Império Otomano e o Reino Unido. Após aquela data, a vida de boa parte dos povos da região, sobretudo a dos árabes do litoral, viu-se confinada a situações de coação e exílio, agravadas com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a do Yom Kippur, de 1973, bem como com a política dos colonatos, num processo de privação da terra, da liberdade e até da identidade da população árabe.
Os judeus povoaram a região desde os tempos bíblicos, recomeçando a afluir em maior número a partir de 1850, no contexto do movimento sionista, e ainda no do Holocausto, já no século seguinte. A constituição do Estado de Israel, justificada por essa ancestralidade histórica, passou por diferentes fases, com a supremacia inicial de setores da esquerda laica e socialista, até ao recente domínio dos judeus ortodoxos e da extrema-direita. Sendo formalmente uma democracia representativa, com eleições regulares e liberdade de expressão, Israel é hoje uma sociedade muito dividida, numa clivagem entre os setores belicistas, ultra-agressivos em relação aos palestinianos – 21% da população israelita – e os partidários, em minoria relativa, de uma solução progressista e de paz, respeitadora dos diferentes grupos étnicos e da diversidade social, incluindo aqui os direitos das mulheres e das sexualidades não-normativas.
O reacendimento do conflito entre Israel e o Hamas ocorre agora a uma escala que não se observava há décadas, com milhares de vítimas civis de ambos os lados, prevendo-se uma catástrofe humanitária sem precedentes em Gaza. Neste contexto, a observação da situação tem-se confrontado com dois pressupostos errados. O primeiro toma os lados palestiniano e israelita como uniformes, ignorando que o Hamas impõe uma férrea ditadura islamita sobre a população que controla e que exclui de todo o reconhecimento do Estado de Israel, diferentemente da Autoridade Palestiniana, enquanto Israel, como se viu, também está profundamente dividido. O segundo erro exclui de todo a via da moderação e do entendimento, defendendo uma «paz» unilateral, sem Israel, o que, a concretizar-se, trocaria uma injustiça histórica por outra.
Chegamos aqui à necessidade da solução dos dois Estados, associada a uma paz justa e ao caminho do entendimento. Ela impõe, desde logo, de um e de outro dos lados em conflito, que se contrarie aquilo a que o escritor franco-libanês Amin Maalouf chamava «identidades assassinas», fechadas à compreensão cultural do outro e do humano, mergulhadas no ódio, na vingança e numa ideia de supremacia, e tendentes a excluir os pontos de vista complexos, únicos capazes do diálogo e de soluções razoáveis. Maalouf falava da «besta identitária» como um monstro letal que importa combater e conter para evitar uma guerra interminável. Este é um trabalho necessário também entre aqueles que, fora da região, só escutam um dos lados. De outro modo é difícil contrariar os pessimistas, que consideram o conflito sem solução possível.