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04-10-2023        As Beiras

Uma cidade é um ecossistema material, social e cultural complexo, que precisa de ser permanentemente cuidado e acarinhado, ora no confronto com a contemporaneidade e com a concomitante necessidade de inovação e de renovação, ora com o seu status cultural, que, no caso de Coimbra, tem mais de dois mil anos. Em Portugal, nos nossos dias, verifica-se uma realidade territorial altamente polarizada pelas duas metrópoles, Lisboa e Porto. O restante país, por seu lado, tem duas alternativas, ou definha perante a misericórdia pontual das elites metropolitanas, ou alimenta a esperança de se transformar num território submetropolitano, num subúrbio, portanto.

Para continuar a ser a cidade que é, há já mais de dois milénios, Coimbra tem de interromper rapidamente o ciclo de suburbanização em que se envolveu nos últimos anos. Sim, Coimbra suburbanizou-se, deixou que os modelos territoriais suburbanos, hegemónicos no país dito real, invadissem o seu centro e o transformassem gradualmente num subúrbio. A cidade de há cinquenta anos atrás estagnou e o que cresceu foram as extensões suburbanas à sua volta, que se diluem no tal espaço submetropolitano. Já dificilmente conseguimos perceber se os concelhos limítrofes radiam à volta de Coimbra, ou à volta das metrópoles, como todo, ou quase todo, o território litoral.

Esse círculo vicioso verifica-se no modo como a cidade se estende pelas antigas estradas secundárias e desagua numa imensa “manta” de loteamentos/retalhos, desconexos e de baixíssima densidade, portanto, altamente dispendiosos de recursos, económicos e ambientais. Ou ainda no modo como frequentemente vemos crescerem edifícios baixos, térreos ou de dois pisos, em locais centrais, locais onde, no início do século XX, já se construía densidade urbana forte, com cinco ou seis pisos de altura. Essa densidade deveria ser considerada património, já tem muito mais de um século e, contudo, está a ser delapidada, está a deixar de ser urbana.
A suburbanização de Coimbra está instalada e os instrumentos de controlo vigentes, ditos de planeamento, reforçam esse establishment. É assim com o PDM, é assim frequentemente também com as informações que dimanam dos serviços municipais. Como tal, este riquíssimo património urbano vai-se evaporando. Demora a diluir-se, porque é muito forte, mas já esteve mais longe de se extinguir.

Coimbra vai ter de reequacionar algumas das premissas instaladas nos seus modos de encarar o inexorável crescimento urbano. Vou-me focar nos mais importantes. Os instrumentos de planeamento em vigor são limitadores, abstratos e completamente inadequados à realidade contemporânea. O PDM, por exemplo, começou a ser feito há meio século atrás e herdou preceitos teóricos e práticos de meados do século passado:
— é abstracto, isto é: o que permite fazer pode ser bom, mas também pode ser muito mau, não se definem bases concretas, as previsões não são objectivas, faz-lhe falta mais arquitectura;
— o espaço da sua implementação assenta em princípios de desconfiança, ou seja, parte da ideia que “todas as propostas de construção são más, as normas e os licenciamentos servem para as contrariar”, faz-lhe falta mais confiança na arquitectura;
— utiliza ainda conceitos obsoletos e profundamente anti-urbanos, como o de zonamento por actividades, quando hoje nós sabemos que as cidades são misturas ricas de usos, são explosões de variedade social e cultural, e que é preciso entrar na escala da arquitectura.

Em Coimbra, é raro haver planos de pormenor e os poucos que há são extensões de escala do planeamento abstracto do século passado. Em suma, falta acreditar num dado essencial, um dado no qual tantas cidades europeias acreditaram e acreditam, pelo menos desde a década de 1990: a objectivação da escala urbana, o projecto urbano, que é essencial para a manutenção das cidades e dos seus ecossistemas urbanos. Ou seja, falta acreditar na importância da arquitectura da cidade.

E aqui dá entrada a segunda temática referida no título, falta também o reconhecimento da disciplina arquitectónica pela Universidade de Coimbra, para que a cidade a reconheça em sintonia. Falta perceber que a grande capacidade de entretecer laços de relacionamento com outras áreas do saber, que esta disciplina tem, depende da sua própria personalidade, depende das suas próprias potencialidades de afirmação. Desde as tecnologias até às humanidades, desde as ciências sociais até às físicas, às químicas e a tantas outras, desde a economia até à biologia, essa capacidade está liminarmente condicionada à sua autonomia, é ela que lhe confere a capacidade de intervenção na sociedade e, sobretudo, na cidade. É por isso urgente cumprir aquilo que está estipulado como meta nos documentos fundacionais da instalação do curso de arquitectura na Universidade de Coimbra, há trinta e cinco anos atrás, a construção de uma escola autónoma dedicada à arquitectura e às suas áreas de saber mais próximas, a urbanística, os estudos sobre a cidade, o design. Há que vencer definitivamente todas as resistências que ainda se vão manifestando contra esse desígnio inabalável, que, diga-se em abono da verdade, são cada vez menos.

Falta uma Faculdade de Arquitectura na Universidade de Coimbra.


 
 
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José António Bandeirinha