Perante a fragilidade dos projetos progressistas alternativos, o neoliberalismo dominante difunde, nos campos político, económico, social e cultural, conceitos que representam, somente, ideias precárias com ciclos de vida muito curtos, sempre vendidas como apolíticas. Os partidos que seguem essa via, e também os governos que para aí resvalam, utilizam-nas, amiúde, como bengala no jogo da ocultação dos seus reais propósitos.
A panaceia das “reformas estruturais” como via única para o desenvolvimento ou a produção de “empreendedores” como solução para a criação de emprego alimentaram discurso político e económico “moderno” e cursos de “excelência” em universidades, mas estão a caminho do caixote do lixo. O que vai acontecer com o conceito “talento”, utilizado sem sentido quando se procuram capacidades comuns para o “mercado de trabalho”? E, com o conceito “colaborador”, que não tem enquadramento jurídico e visa reforçar o poder unilateral da entidade empregadora, eliminando quadros legais de direitos/deveres que estruturam relações de trabalho equilibradas?
Serão postos a nu os seus objetivos manipuladores de aprisionamento dos cidadãos, em particular dos jovens, mas enquanto a relação de forças não se alterar, estes conceitos vão-se impregnando na sociedade. Na passada quarta-feira, na RDP, no programa “Consulta pública”, foi abordado o futuro dos jovens e o que há a fazer para não terem de emigrar. Na divulgação do programa, teve enfoque o mote “condições para reter talento”.
O jornalista que conduziu o programa é qualificado e, no painel de convidados, havia pessoas com reconhecidos conhecimentos na matéria. Partilho, todavia, duas questões que me surgiram: i) o fundamental das respostas para os jovens não emigrarem não se situa em medidas “inovadoras” para reter “talento”, mas sim em políticas públicas e privadas que criem mais e melhor emprego, na resolução da escassez de habitação e na melhoria de mobilidades, o que convocaria presença de especialistas outros; ii) em democracia são, em primeiro lugar, os partidos políticos (no Governo ou na oposição) que devemos responsabilizar pela construção de propostas, logo, colocar no debate apenas o representante da “academia política apartidária” terá sido um absurdo.
Num outro plano, Luís Montenegro veio, a propósito do aumento da receita fiscal, realçar a ideia da prioridade à sua redução (objetivo geral consensual), dizendo que “o Governo arrecada primeiro e só passado algum tempo adota medidas pontuais que atenuam” a enorme apropriação feita. O problema é quando se passa à análise mais fina do destino que o PSD quer dar às receitas acumuladas. O dinheiro devia ser utilizado para melhorar os serviços públicos, reforçar o investimento público e privado e a qualidade do emprego na Administração Pública, e para medidas de melhoria da justiça fiscal. Montenegro não quererá ir por aí. Um deputado do PSD terá mesmo afirmado que as propostas de política fiscal avançadas pelo partido “não afetam o seu eleitorado”.
Por seu lado, a CIP começou o desenho de um “Pacto” para se “criar o 15.o mês com neutralidade fiscal”, de “pagamento voluntário pelas empresas...”, sem incidência no IRS e sem contribuição para a Segurança Social. E voltou a cantilena da redução da taxa social única. Resumindo: nada de aumento real dos salários, e oferta de um chouriço aos trabalhadores, se o Estado lhes der um porco. Muitas vezes, é o somatório de distrações e condescendências perante as manipulações que armadilha os caminhos do progresso da sociedade.