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25-08-2023        Jornal de Notícias

Há áreas da nossa vida em sociedade em que se conjugam insuficiências da ação governativa e do Estado (que tem muitas instituições e atores para além do governo), com práticas privadas desrespeitadoras de princípios e valores da Democracia. É assim na saúde e na habitação.
Mete medo sabermos que, nas praças de jorna que contratam médicos à tarefa, é atribuído um valor remuneratório mais elevado às horas trabalhadas por aqueles que mais altas passam aos doentes. A ganância e a impunidade dos interesses privados sobrepõem-se ao direito à vida. Uma engrenagem perversa, com cada vez mais tentáculos, vem sugando e atrofiando o Serviço Nacional de Saúde (SNS). E, todos os governantes sabem que as políticas se desenham e efetivam por ação ou por inação.    
Será adequado adotar-se uma estratégia que articule a presença e a ação de todos os agentes que estão hoje neste setor, como vem sugerindo o Presidente da República (PR)? 
A sobrevalorização do consenso e a menorização do confronto político inerente à democracia, facilitam a ideia de que essa é a solução. Mas, a bondade da proposta esbarra num terreno armadilhado. É preciso separar, previamente, o trigo do joio: i) afastar agentes parasitários e não tolerar o desrespeito da saúde como direito universal; ii) desarmar pressões do setor privado sobre os recursos do SNS, pois o Estado colocado em situação de necessidade perde força; iii) ganhar os profissionais pela sua valorização e pelo seu envolvimento na organização do trabalho, o único caminho que poderá possibilitar desobstruções no acesso dos cidadãos ao SNS; iv) trazer para a sociedade uma informação realista sobre os fatores que obrigam a uma evolução contínua do SNS, designadamente, os provenientes do aumento da esperança de vida e dos avanços do conhecimento.
Os custos atuais da habitação são insuportáveis para grande parte das famílias portuguesas e, para a esmagadora maioria dos jovens, bloqueadoras da organização das suas vidas. Hoje, só conseguem fugir deste drama os filhos de “famílias com posses”: por exemplo, apenas com os seus salários, um casal de jovens médicos não consegue pagar os custos de uma habitação T2 nos grandes meios urbanos. O governo e a maioria parlamentar que o apoia podiam dar passos para a resolução do problema, mas optaram por aprovar um conjunto de medidas, em muitos casos tímidas, noutros contraditórias, cenário ideal para os interesses instalados (e toda a direita política) surgirem como vítimas e se desresponsabilizarem das soluções.
O PR e vários comentadores dizem que o problema é a “falta de consenso no pacote da habitação”. Será? Haverá soluções mantendo-se as atuais políticas no turismo e na construção e a espiral especulativa a elas associada? Não! Existe proposta alternativa vinda da Direita, para além das lengalengas da “ação do mercado”? Não! A solução da “Lei Cristas” para o arrendamento, trabalhada com os grandes interesses instalados no setor, trouxe incremento do arrendamento? Não! É possível os jovens terem acesso a habitação sem uma radical melhoria dos seus salários? Não!
Montenegro não apresenta uma ideia, limita-se a reclamar a demissão do governo: porque o PR lhe retira espaço de ação política, ou porque os dois têm a mesma leitura social e política sobre a saúde?
Graves problemas como os destes setores, ou o “combate à pobreza” e a dignificação do trabalho, não se resolvem com pregação de consensos e promoção de afetos no pressuposto que “todos queremos o melhor para os cidadãos”. Só tolhem a luta destes.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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