Os últimos dias foram marcados por interpretações de resultados de sondagens que pretensamente mostram as preocupações dos portugueses, por discussões em torno do “estado da nação”, por reflexões sobre causas e impactos da inflação, pela divulgação de dados estatísticos relativos ao emprego. As leituras diferem consoante quem as faz. E os dados estatísticos permitem conclusões que até podem ser opostas em função dos ângulos de análise e da tortura a que os números são sujeitos.
É muito pobre o confronto público de propostas políticas. O contributo da Direita é zero. Identifica alguns problemas que consomem as pessoas na versão de senso comum (a sua extrema fá-lo na versão de bagunça para corroer a democracia), tem de calar-se perante resultados de políticas neoliberais que o Governo, o BCE e outros poderes vão impondo. Afunilou o seu programa no objetivo da “degradação do Governo”, na esperança de que este se autodestrua, e interpretando a “realidade política” criada na comunicação social.
Perante o que se discutiu, relevo três ideias para uma análise crítica: i) o primeiro-ministro (PM) exagera muito nos êxitos do Governo e nas promessas, acabando por aumentar descrédito em vários setores da sociedade; ii) Portugal tem um potencial produtivo (e de desenvolvimento) que está a ser persistentemente bloqueado; iii) a resolução dos grandes problemas com que os portugueses se debatem não exige “reformas estruturais” generalizadas, mas tão-só efetividade de políticas adequadas.
Temos hoje mais emprego e uma mais baixa taxa de desemprego? Sim. Contudo, falta identificar com rigor o potencial produtivo dos setores que criaram emprego, ver se os recursos do PRR estão a favorecer o avanço tecnológico e organizacional que possa incorporar os jovens (muitos continuam a emigrar), qual o perfil do novo emprego e como o saldo migratório se reflete no emprego. Para sermos mais produtivos, precisamos de qualidade do emprego público, designadamente, nos setores que nos garantem a prestação dos direitos e serviços fundamentais.
Tem havido crescimento económico? Sim. Mas o rendimento disponível diminuiu para quase todas as pessoas, a classe média está constrangida, o peso dos salários no PIB desceu no último ano, a melhoria da produtividade (segundo o PM, em 2022 foi de 4%) não chegou aos trabalhadores. Foram os salários a suportar, em primeiro lugar, os custos da inflação, enquanto alguns setores empresariais a utilizaram para aumentar lucros.
O PM não pode dizer que o acordo que negociou na Concertação Social constitui uma alavanca para o crescimento dos salários. A meta inscrita para 2023 é de 5,2%, valor que não repõe a perda causada pela inflação e fica muito longe dos 8% que os salários estão a crescer no setor privado, por efeito do mercado. Quando se oferece aos jovens (mais e menos qualificados) baixos salários, precariedade e subsídios pontuais para tentar colmatar a falta de condições de acesso a habitação, está-se a projetar uma sociedade acomodada à pobreza e a esvaziar a democracia.
O investimento na educação, na saúde, na proteção social, na justiça é o mais reprodutivo que se pode fazer. Num contexto de disponibilidade de recursos, como o atual, privilegiar a conquista da medalha de ouro das “contas certas” para impressionar os poderes neoliberais é negar o desenvolvimento do país.
Em muitas áreas, da vida pública e privada, as políticas a adotar são há muito conhecidas e óbvias. Sejamos persistentes na sua afirmação.