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22-07-2023        Jornal de Notícias

Os últimos dias foram marcados por interpretações de resultados de sondagens que pretensamente mostram as preocupações dos portugueses, por discussões em torno do “estado da nação”, por reflexões sobre causas e impactos da inflação, pela divulgação de dados estatísticos relativos ao emprego. As leituras diferem consoante quem as faz. E os dados estatísticos permitem conclusões que até podem ser opostas em função dos ângulos de análise e da tortura a que os números são sujeitos.

É muito pobre o confronto público de propostas políticas. O contributo da Direita é zero. Identifica alguns problemas que consomem as pessoas na versão de senso comum (a sua extrema fá-lo na versão de bagunça para corroer a democracia), tem de calar-se perante resultados de políticas neoliberais que o Governo, o BCE e outros poderes vão impondo. Afunilou o seu programa no objetivo da “degradação do Governo”, na esperança de que este se autodestrua, e interpretando a “realidade política” criada na comunicação social.

Perante o que se discutiu, relevo três ideias para uma análise crítica: i) o primeiro-ministro (PM) exagera muito nos êxitos do Governo e nas promessas, acabando por aumentar descrédito em vários setores da sociedade; ii) Portugal tem um potencial produtivo (e de desenvolvimento) que está a ser persistentemente bloqueado; iii) a resolução dos grandes problemas com que os portugueses se debatem não exige “reformas estruturais” generalizadas, mas tão-só efetividade de políticas adequadas.

Temos hoje mais emprego e uma mais baixa taxa de desemprego? Sim. Contudo, falta identificar com rigor o potencial produtivo dos setores que criaram emprego, ver se os recursos do PRR estão a favorecer o avanço tecnológico e organizacional que possa incorporar os jovens (muitos continuam a emigrar), qual o perfil do novo emprego e como o saldo migratório se reflete no emprego. Para sermos mais produtivos, precisamos de qualidade do emprego público, designadamente, nos setores que nos garantem a prestação dos direitos e serviços fundamentais.

Tem havido crescimento económico? Sim. Mas o rendimento disponível diminuiu para quase todas as pessoas, a classe média está constrangida, o peso dos salários no PIB desceu no último ano, a melhoria da produtividade (segundo o PM, em 2022 foi de 4%) não chegou aos trabalhadores. Foram os salários a suportar, em primeiro lugar, os custos da inflação, enquanto alguns setores empresariais a utilizaram para aumentar lucros.

O PM não pode dizer que o acordo que negociou na Concertação Social constitui uma alavanca para o crescimento dos salários. A meta inscrita para 2023 é de 5,2%, valor que não repõe a perda causada pela inflação e fica muito longe dos 8% que os salários estão a crescer no setor privado, por efeito do mercado. Quando se oferece aos jovens (mais e menos qualificados) baixos salários, precariedade e subsídios pontuais para tentar colmatar a falta de condições de acesso a habitação, está-se a projetar uma sociedade acomodada à pobreza e a esvaziar a democracia.

O investimento na educação, na saúde, na proteção social, na justiça é o mais reprodutivo que se pode fazer. Num contexto de disponibilidade de recursos, como o atual, privilegiar a conquista da medalha de ouro das “contas certas” para impressionar os poderes neoliberais é negar o desenvolvimento do país.

Em muitas áreas, da vida pública e privada, as políticas a adotar são há muito conhecidas e óbvias. Sejamos persistentes na sua afirmação.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
neoliberalismo    salários    democracia    sociedade