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20-05-2023        Jornal de Notícias

Uma das marcas mais profundas das sociedades em que vivemos, incluindo as "democracias liberais", é o facto de a apropriação ilegítima de riqueza e de bens de diverso tipo ser incomensuravelmente maior nas suas expressões "legais", que no enquadramento reconhecido como crime. Atitudes políticas de tolerância perante esta constatação, desde logo em períodos de duros sacrifícios para os cidadãos, são intoleráveis. Todavia é o que vem acontecendo. A banca nacional (a que opera no país) teve, no primeiro trimestre deste ano, 955 milhões de euros de resultados (lucro). O povo português está a ser literalmente roubado. Devemos afirmá-lo sem rodeios para se tentar estimular algumas consciências.

O presidente da República, em vez de fazer uma crítica forte a esta realidade, optou por apelar à boa vontade dos banqueiros para refletirem sobre as taxas de juros aplicadas.

Até esboçou uma justificação para os bancos quererem proteger-se face a potenciais situações de perdas (valha-lhe Deus!). O Governo nada ou pouco diz sobre esta brutal fraude e o poder financeiro sente-se à vontade para desrespeitar as suas orientações.

As forças políticas da Direita e da extrema-direita misturam esta apropriação indevida com outros temas pontuais existentes no setor, como o dos "lesados da banca". E refinam a mensagem do presidente. Disse o Chega, na Assembleia da República, que a banca deve "utilizar os lucros para ajudar as famílias a pagar uma parte do crédito à habitação", mas não avançou qualquer medida para concretizar o apelo. Esta gente é descarada: primeiro deixam a banca roubar o povo, depois incentivam o estender da mão à caridade, utilizando para isso o dinheiro roubado.

Quem perdeu, e muito, na anterior crise foi o povo, não os detentores da banca. Os portugueses até pagaram os roubos feitos, ao longo de muitos anos, por gestões desastrosas e corruptas. Tentemos evitar o surgimento de faturas do mesmo tipo: i) as taxas de juros impostas aos cidadãos são um escândalo, até em comparação com as práticas europeias, e não podem continuar; ii) diz-se que, sem vergonha, os banqueiros estão fazendo pressão sobre o Governo para este não incentivar as pessoas a comprar certificados de aforro, porque isso lhes retira potencial de exploração; iii) os lucros obtidos já estão a caminho dos bolsos dos acionistas, a parte de leão no estrangeiro; iv) existem alertas para o incumprimento de contratos de crédito, em particular da habitação, que pode ser gerador de nova crise.

A questão dos lucros ilegítimos devia estar no centro do debate político. Não está, como não estão outros temas fulcrais: a estratégia de investimento, o desemprego, o emprego, o aproveitamento das qualificações dos portugueses, a melhoria dos salários. Em sua substituição está um clima de chafurdice política. A Direita e a Comunicação Social (que lhe pertence quase em pleno) acionam, a toda a hora, os lados da oferta e da procura de casos para chafurdar. Alimentam-se disso.

Um outro problema que nos empobrece é a atitude acomodatícia de um Governo que não sacode a chafurdice e que não apresenta uma estratégia de desenvolvimento convincente, que rompa com o baixo perfil da nossa economia e garanta serviços públicos universais e de qualidade. O PRR pode e deve ser uma importante alavanca de investimento, mas jamais pode ser essa estratégia.

Os roubos materiais e de dignidade que nos vão sendo feitos e as lacunas programáticas que persistem podem convergir perigosamente para o roubo da democracia.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
sociedade    democracia    política