Ditaduras e tiranias, seja qual for a forma que tomam ou os princípios de teor político e ideológico que as justificam, assentam no uso arbitrário da força, na supressão da divergência e na instalação do medo. Conseguem-no, num primeiro momento, recorrendo a mecanismos destinados a silenciar toda a discordância: a polícia política, uma censura férrea, o controlo dos meios de comunicação, tribunais obedientes ou leis antidemocráticas que excluem ou controlam o voto livre, o pluralismo e o exercício da crítica. São estes os instrumentos habituais de imposição de uma ordem única que se crê eterna e se pretende incontestada. Porém, para quem os promove, eles ainda são insuficientes, sobretudo em sociedades cada vez mais complexas e dinâmicas.
Entram aqui em jogo os processos complementares de construção e imposição do pensamento único, tendente a produzir a unanimidade e, como lembrou Herbert Marcuse, a fechar o universo do discurso, dele excluindo toda a liberdade. A escola, a propaganda, uma informação filtrada, o doutrinamento, são então mobilizados para estabelecer uma forma de representar o mundo e uma linha da história de acordo com modelos que rejeitam o contraditório. Procura-se então isolar, excluir, coagir, silenciar, e no limite prender, torturar ou aniquilar, quem possa produzi-lo. Ao mesmo tempo, mobilizam-se aliados junto das populações, capazes, através da denúncia ou do constrangimento social, de funcionar como seus agentes de proximidade, levando a sujeição a todos os recantos.
São numerosos, distribuindo-se por diferentes épocas e sociedades, os casos históricos deste processo de vigilância e castigo, que tende a criminalizar e a punir quem não siga a voz do dono, como no universo de 1984, o romance distópico de Orwell. Em todos eles, a denúncia anónima e o julgamento sumário são praticados de forma sistemática, assegurando o completo controlo das consciências. Assim aconteceu com a Inquisição católica, com a intolerância religiosa dos séculos XVI e XVII, com o Terror na Revolução Francesa, com o nazismo e os diferentes fascismos, com o estalinismo e os Processos de Moscovo, com o macarthismo e a «caça às bruxas» nos EUA, com a Revolução Cultural Chinesa, com o Khmer Vermelho no Camboja, com as ditaduras sul-americanas do século XX, ou, atualmente, com o monstruoso regime norte-coreano.
Sensivelmente há três ou quatro décadas, acreditou-se que esses universos de exceção, assentes na opressão da liberdade e na interdição da diferença, se encontravam em vias de extinção. Contudo, o tempo que vivemos tem mostrado como essa crença otimista não passava de uma ilusão, pois vivemos um tempo que conhece outras formas tirânicas de pensamento único e de coação. Agora com três particularidades: em primeiro lugar, boa parte delas emerge de forma autónoma das próprias sociedades, não necessariamente de quem nelas detém o poder; em segundo, surgem também e até especialmente dentro dos regimes democráticos; e em terceiro, procuram impor-se invocando em muitos casos, por paradoxal que pareça, escolhas e causas que detêm uma natureza justa e emancipatória.
De facto, a Internet e as redes, bem como uma comunicação social sem deontologia, associadas à iniciativa de grupos sectários emergentes em certos ambientes, incluindo os académicos, tem desenvolvido modelos teóricos e modos de agir que, formalmente erguidos contra a ordem dominante, estimulam a vigilância de comportamentos, a suspeição e a denúncia anónima de quem os contrarie. Radicalizadas a partir de causas importantes e necessárias – ligadas aos direitos das mulheres e aos feminismos, às reivindicações das minorias, à repressão do assédio ou da homofobia, aos imperativos da ecologia ou à luta contra o racismo e a xenofobia – impõem condutas e policiam linguagens, julgando sumariamente, sem direito ao contraditório, quem não pareça seguir exatamente os seus ditames. No limite, em associação com a nova cultura global do ódio, os seus atores intimidam, difamam e excluem quem rejeite as suas formas de pensamento único.